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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Somos amigos, Gustavo e eu. Pelo menos assim acredito. Uma vez perguntei: “Você é meu amigo e eu sou sua amiga, não é, Gustavo?” Ele me olhou atento e não respondeu. Como nunca respondeu nenhuma pergunta que fiz. Ainda assim, nos entendemos bem. Outro dia, pela janela, observei-o sentado na calçada, pijamas e pantufas, perninhas estendidas e abertas. Seus 2 anos de idade são o salvo-conduto para essa naturalidade toda. Estava acomodado no meio do caminho por onde passam os automóveis, de costas para mim e de frente para algumas crianças maiores que brincavam. Provavelmente ele as observava sem ser aceito no grupo. Gustavo é quase um bebê, e como tal olha o mundo com curiosidade e espanto. Presta muita atenção no que vê e, de repente, se desliga completamente do que está na sua frente para mergulhar na própria imaginação.

Para Gustavo, mesmo sem palavras, estávamos conversando e por isso não me deixava sair

Outro dia me chamou gritando “ei, ei”. Quando parei diante dele, me mostrou o que parecia ser o pedaço de um caminhãozinho e balbuciou sons que não compreendi. Não que não saiba falar. Mas às vezes não se preocupa em pronunciar palavras. Dá para notar pela sua expressão que a conversa está animada dentro da cabecinha redonda, de olhos grandes e cabelo lisinho. Para ele, mesmo sem palavras, estávamos conversando e por isso não me deixava sair: quando eu ameaçava me afastar, espichava os bracinhos mostrando o brinquedo e reiniciava o tatibitate. O corpinho era jogado um pouco para a esquerda, a cabeça tombava para a direita, observava o plástico vermelho de um novo ângulo e então olhava para mim. Para mim que supostamente deveria estar entendendo aquele relato telepático que ele fazia sobre o objeto.

Encontrar Gustavo é sempre uma alegria. Moramos em um condomínio, desses que parecem uma prisão, com muro alto e portão. Pois Gustavo deu para correr atrás de mim quando estou saindo. Tenho de ficar de olho para que ele não vá para a rua. No dia do carrinho vermelho, me seguiu depois da despedida. Parou ao ver o portão passando rente ao seu nariz. Eu voltei, para ter certeza de que ele estava lá dentro. Do lado de dentro do condomínio, mãozinhas nas grades, ele gargalhou ao me ver me aproximar, vinda lá de fora. E me deu sua única frase intelígivel daquele nosso encontro: “Agora você presa!”

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