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Na casa onde moro, circulam seres misteriosos e silenciosos, espíritos livres que não me obedecem, que me ignoram, mas que às vezes demonstram ter algum apreço por mim. Faço aqui uma descrição dessas criaturas:

Lisa é velha e peluda. Preta. Tem catarata nos dois olhos. Às vezes parece perdida, sem saber para onde ir. Passa o dia dormindo. Seus lugares favoritos são as cadeiras de lona na sacada.

Misterioso é um jovem adulto. Preto e branco. É o único que corre desembestado pela casa. Nas curvas, derrapa, se recompõe e segue correndo. Sobe na cama com um salto, olha em volta como se estivesse sendo perseguido. Com outro salto, volta ao chão. Agora há pouco quase caiu da varanda. Ficou pendurado na planta que vem lá de baixo, garras cravadas no vegetal para não despencar. Antes que eu o alcançasse (se ele se machucar, o menino ficará muito triste), deu u impulso nas patas dianteiras e se firmou na grade estreita. Olha insistentemente para o trinco da porta quando quer sair (espera abri-la com o poder da mente?). Gosta de dormir perto de seu dono, no colo, sobre o computador ou apoiado sobre o modem.

“O amor é como uma corruíra no jardim. De repente ela canta e muda toda a paisagem.”

Tigrinho é um gato amarelo que se parece com todo gato amarelo. É grande e forte. Ótimo caçador, característica que lamento muito. Não deixa em paz os pássaros, as lagartixas, os insetos. Ignora os cachorros que latem desesperadamente quando ele passa. Deita-se na em frente às casas de onde vem o latido. Nunca olha para os nossos rostos e não gosta de ser tocado na cabeça. Foi o último a chegar na casa e reconhece sua posição inferior na hierarquia felina. É o último a se aproximar da tigelinha com as lascas de atum, que todos adoram. Não enfrenta os mais velhos, apesar de ser o mais forte. Quando me reúno aos vizinhos em uma rodinha para conversar, ele se junta ao grupo. Era especialmente amigo do seu João Barreiros. Seu João se sentava no banco de jardim e lá ia o Tigre se sentar com ele. Desde que seu João se mudou, o gato amarelo ainda não encontrou um novo amigo.

Pipoca. Do seu tempo de gatinha agitada, ficou só o nome. Esta idosa e se tornou muito pacata. É arisca, assustada. Reage a qualquer movimento feito perto dela. Quando dorme, ronca.

Tom é filho da Lisa. Também é preto e peludo. Mas ao contrário da mãe, é muito magro. Pele e osso. Raquítico, sempre pareceu doente, mas é longevo. Já completou 14 anos. Choraminga pedindo carinho de sua dona. Choraminga pedindo para tomar água na torneira da pia. É amigo da Pipoca.

Maninha é o único cachorro da casa. Vale por cinco. Tem seis anos, mas age como um filhote. Corre muito, persegue bolinhas, pula ao ver um humano ou um gato. No lado de lá do muro, alguém passa caminhando e ela, do lado de cá, enlouquece. Late forte, como se não fosse um dachshund minúsculo, uma linguicinha. Quando levada para caminhar na rua, se mostra ansiosa para voltar. Fica animadíssima quando vê os gatos, tenta cheirá-los e lambê-los. Por isso eles a evitam.

Passarinho miúdo que aparece diariamente no muro. Marrom, rabinho pitoco. Consultado, o Vanderlei, que é o zelador e sabe-tudo, informou que deve ser uma corruíra. Então é ela, a musa do Dalton Trevisan! “O amor é como uma corruíra no jardim. De repente ela canta e muda toda a paisagem.” Bonito. A musa plumada parece sempre estar procurando alguma coisa. Teria feito ninho na ramagem da buganvília, como já aconteceu com outros pássaros? Por enquanto, faz parte da família. É livre para desaparecer a qualquer hora.

***

A beleza das palavras, 3. Wabi-sabi. Nome de um conceito japonês. A beleza que existe na imperfeição, na transitoriedade. A folha sobre a calçada, a ruga no rosto, a racha na porcelana.

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