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Uma prosaica pesquisa no Google é capaz de colocar a nu as grandes questões de civilização. Na última sexta-feira, fui ao oráculo em busca de uma receita de sopa de quirerinha com couve e descobri mil receitas de caldos e cremes – de couve-flor. As poucas fórmulas de sopa de couve mesmo, verdinhas, estavam perdidas no fim da lista, indicando sua baixa popularidade.

Essa, porém, não foi a descoberta civilizatória, que aconteceu quando digitei a palavra “como” na caixa de pesquisa. Mal havia tamborilado as letras e o Google, em sua rapidez extraordinária, já devolvia uma lista de possibilidades. Intrigado, digitei apenas “como” e enviei o pedido. E tive o retorno de uma reveladora lista de dúvidas e respostas. Em língua portuguesa, segundo o Google, as cinco dúvidas mais associadas ao advérbio são: Como descobrir a senha de wi-fi do vizinho? Como disfarçar odores na região íntima? Como criar aplicativos para Android e iPhone? Como se tornar um microempreendedor individual? Como bloquear ou desbloquear um contato de WhatsApp? O Google, aliás, também sugeriu algumas pesquisas relacionadas: “como fazer um Facebook”; “como beijar bem”; “como conquistar a pessoa amada” e “como fazer pulseiras de elástico”. Pragmatismo puro.

As coisas da cultura ainda giram ao redor de um mesmo núcleo temático, universal e eterno

Animado com a descoberta, resolvi submeter a mesma pergunta com o termo em inglês, e tive como retorno os temas “como desaparecer completamente”, “como aprender qualquer idioma”, “como ter sonhos lúcidos”, “como amar” e “como destruir corações”. Romantismo puro.

Por absoluta ignorância idiomática, não arrisquei pesquisas em outras línguas. Seria interessante descobrir o que, segundo o Google, querem saber franceses, alemães e japoneses.

Desnecessário observar que não havia resposta definitiva para nenhuma das questões, nem para o wi-fi, nem para o beijo infalível.

Cheguei à conclusão um tanto freudiana de que as coisas da cultura ainda giram ao redor de um mesmo núcleo temático, universal e eterno, constituído pela busca de respostas a problemas instrumentais, sexuais e existenciais. A descoberta do fogo, a dispersão genética e a busca pelo mistério da própria existência, em síntese. Isso e aquele delivery de pizza das sextas-feiras à noite, quando a fome aperta e a geladeira está vazia. Tudo do mesmo.

PS: Alertado para o fato de o Google usar meus próprios dados pessoais em seu algoritmo de pesquisa – o que revelaria mais os meus interesses que os do mundo –, fiz a pesquisa em “modo anônimo” e até no computador de uma vizinha. Os retornos foram os mesmos, à exceção de um: receita de canjica. Somos quase todos iguais, enfim.

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