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 | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
| Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo

Metade da população de Curitiba é formada por pessoas como o engenheiro civil Clóvis Milton Lunardi: ele nasceu em outro lugar, mas adotou a cidade por opção. Diz que veio passar uma temporada, mas gostou tanto que ficou. O olhar de Lunardi sobre a capital paranaense é o melhor possível: entusiasta, ele evita falar dos problemas. "Para mim, ainda somos modelo ao mundo. Curitiba foi pioneira em muita coisa e pode estar atrasada em algo, como na questão do metrô, mas ainda assim é precursora", diz. Clóvis não só viu da janela do apartamento – na Saldanha Marinho –o crescimento vertical de Curitiba, como também ajudou a levantar prédios e fazer valetas para a tubulação do esgoto. "Quando entrei para o Departamento de Obras da prefeitura, tinha 40 ruas para cuidar. Asfaltamos algumas e a população comemorou. Mas, depois do expediente, eu ia tomar conta de muitas outras", comenta. Ele montou um grupo com outros estudantes de engenharia, lá pela década de 60, para fazer o que qualquer cidade precisa: esgotamento sanitário. Com o auxílio dos moradores, Lunardi indicava onde as valetas deveriam ser abertas e, depois, inventaram um processo em que cada morador poderia fazer seu próprio tubo de esgoto. "O esgoto corria solto pelas ruas, era triste de ver. A população, na época, não tinha tanto emprego, por isso ficava mais em casa. Foi assim que conseguimos ajudar a urbanizar a cidade. Com a ajuda do povo", diz. Lunardi calcula que cerca de 20 quilômetros de concreto para esgoto, que existem até hoje, foram feitos dessa maneira. Na época, nos cálculos do engenheiro, existiam aproximadamente 200 favelas. "Muita gente chegava a Curitiba e não queria mais ir embora." Em entrevista a Gazeta do Povo, o engenheiro fala um pouco mais das percepções dele sobre a cidade.

O senhor não gosta de falar mal da cidade que o acolheu tão bem. Existe, contudo, alguma história que lhe deixou indignado?

Consigo me lembrar de apenas uma que me deixou intrigado. Quando começamos a asfaltar as ruas e a colocar paralelepípedos em outras, nos anos 60, também iniciamos a plantação de árvores e flores. A população, porém, odiou. A árvore anoitecia plantada e acordava arrancada ou toda quebrada. Ficava me perguntando, por que não gostam de arborização? Foi difícil. Tivemos de fazer uma campanha de conscientização. Mandamos cartas aos proprietários dizendo que eles deveriam ajudar a cuidar das árvores que estavam na frente da casa deles. Deu certo.

Além de ensinar a população a fazer valetas para esgoto sanitário, o senhor participou de outros projetos da cidade?

Sim, como disse, a população ajudava a construir Curitiba, até porque tinha mais tempo e todos queriam melhorar o lugar onde moravam. Também ajudei a construir pontes com trilhos de ferro antigo. Fiz umas 18 pontes com a ajuda da população. Os homens jogavam pedras nos buracos de sustentação das pontes e depois o concreto, era uma beleza. Íamos até tarde, ligava a luz do carro para conseguir trabalhar, porque nem todas as ruas eram iluminadas. A população participava e, quem não podia, me dava justificativas como se fosse um empregado. Havia comprometimento.

Nunca encontrou resis­­­­tências da população?

Certa vez, na Vila Torres, eles queriam fazer valetas em uma das ruas para esconder o esgoto. Mas não sabiam como deveriam agir. Nos contataram. A questão é que havia uma rixa entre o grupo dos anticristãos e dos católicos. Falei: só faremos se os dois grupos trabalharem juntos. Eles esqueceram as intrigas e abraçaram a causa. E, depois, cuidaram do que foi feito. É a velha história de que quem faz cuida e não deixa o outro estragar.

Se o senhor fosse prefeito, o que faria por Curitiba?

Cuidaria mais do tráfego, arranjando meios de facilitar a vida das pessoas que pegam ônibus. Não dá para deixar os ônibus lotados, a população sofre e, quem pode, acaba optando pelo carro. Defendo a instalação do metrô pela superfície. Temos bastante espaço para fazer metrô e também para ofertar mais ônibus à população. O problema é que o Centro está crescendo muito, estão liberando a construção de muitos prédios e shoppings nessa região e isso não me agrada.

Por quê?

Grandes empreendimentos no Centro trazem aglomeração de muitas pessoas em um só lugar. Não dá certo. Não há estacionamento para todo mundo, até porque Curitiba não tem prédios de estacionamentos. E isso não seria necessário. Digo que Curitiba é Centro em quase toda a sua extensão.

Como assim?

Com a criação dos binários e trinários, a prefeitura possibilitou a construção de grandes edifícios no entorno dessas vias. Quero chamar a aten­­­ção para os prédios que podem ocupar a integralidade das divisas do terreno no térreo e primeiro andar. Isso deu espaço para o comércio. Então, temos bancos, lojas e tantos outros estabelecimentos ao redor dessas vias. Isso é um Centro que se expande por toda a cidade. Digo que é a pedra de Tókio.

Há outra política que o senhor elogiaria?

Em 1972, a prefeitura criou uma política inteligente. Comprava o lixo da população. Onde o caminhão não conseguia chegar, eles davam livros, cadernos e outras coisas em troca do lixo que a população deveria levar até o caminhão. Foi assim também que se criou a conscientização de que lixo não deveria ser jogado na rua.

Tem algum lugar de Curitiba que o senhor vai sempre?

Santa Felicidade. Adoro aquele bairro. Comecei a frequentar em uma época que nem restaurantes tinha, só havia botecos que vendiam um frango para comer. Ia com minha namorada. Hoje vou sempre.

Curitiba está "dormindo no ponto"?

Está bobeando na questão do turismo. Poderia receber muito mais dinheiro com isso. E não só Curitiba. Olha nossas praias, são tantos balneários e tanta coisa a ser explorada.

O que o senhor acha do dito "perfil curitibano"?

Quando cheguei aqui achava a população muito introspectiva. Mas veja, existiam cerca de 260 mil habitantes. Só havia homens pelas ruas e as mulheres, quando apareciam, sempre estavam acompanhadas. As famílias eram bem fechadas e tive dificuldade para fazer amizades. Era uma cidade introspectiva e muito provinciana. Acho que é por isso esse ranço de que curitibano é fechado. Acredito que essa questão, porém, já mudou há muito tempo. Hoje as pessoas não são mais assim. Além disso, tem muita gente que mora aqui que nem é curitibano, mas é como se fosse.

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