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| Foto: Gilberto Abelha/Gazeta do Povo/Arquivo

Previsto para ser entregue em fevereiro de 2014, o empreendimento de 3 mil moradias do Minha Cassa Minha Vida em Imperatriz (MA) só será entregue em 2017, caso o governo do presidente em exercício Michel Temer cumpra a promessa de retomar, gradualmente, todas as obras paradas. Com os atrasos nos pagamentos, as três construtoras não conseguiram tocar as obras e agora calculam o valor do aditivo que vão pedir à Caixa Econômica Federal para concluir o empreendimento.

As empresas dizem que os R$ 170 milhões previstos inicialmente foram calculados com o valor defasado de cada imóvel e que precisam fazer uma drenagem profunda no terreno, que fica próximo ao Rio Tocantins. Por mês, cada empresa diz gastar R$ 80 mil com a segurança do canteiro de obras.

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A paralisia nas obras deixou um rastro de dívidas pela cidade. A maior parte dos cerca de 2 mil funcionários do empreendimento era de outras cidades e eles tiveram de recorrer à Justiça para receber os salários e direitos trabalhistas. Não restou outra opção também aos fornecedores.

Assenete Ribeiro, de 51 anos, dona de um restaurante que chegou a servir 500 refeições por dia, um boi e 60 quilos de arroz só no almoço, ficou com uma dívida de R$ 400 mil. “Tenho esperança, mas não sei se vou receber. Se não receber, não tem como trabalhar e nem pagar ninguém”, afirma. Só no açougue ela deve R$ 130 mil. “Fiquei devendo no banco, devendo para os fornecedores, devendo para os funcionários”, conta. Ela já chegou a ter 15 empregados, mas hoje tem apenas dois e serve uma “quentinha” por dia.

A poucos metros do empreendimento vive a família de Onymarcy Barros, de 27 anos, e Idelbrando Barros Junior, de 32, que foram contemplados pelo programa e esperam viver na casa própria. Hoje, moram em um cômodo na casa dos pais dele, junto com Ana Clara, de 2 anos, e Ana Carolina, de 9. Ao todo, 12 pessoas moram no imóvel.

“Mesmo que outra pessoa entregue as chaves da nossa casa, foi a Dilma que mandou construir”, diz Idelbrando, em referência à presidente afastada Dilma Rousseff, que cortou a meta da terceira etapa do programa para construção de 2 milhões de casas - na campanha à reeleição, ela tinha prometido 3 milhões de unidades. “Ela ajudou bastante, mas agora está aparecendo as coisas erradas que o partido dela fez”, pondera Onymarcy.

Para Marciane Gonçalves, de 30 anos, que também está na lista dos beneficiários do programa e aguarda a conclusão das obras, o programa ficou maior do que todos os governantes. “Eles [GOVERNO TEME]já falaram que vão retomar as obras e só me resta acreditar. Meu maior sonho é entrar pra dentro da minha casa.” Marciane, que tem um filho de três anos e está grávida de outro, vive na casa dos pais, com três sobrinhas e uma irmã.

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Antes vitrine, o programa se tornou uma dor de cabeça para os prefeitos que precisam explicar os motivos da interrupção das contratações de moradias para as pessoas que mais precisam, o que na prática inviabiliza novos cadastros. Para ocupar essas 3 mil casas em Imperatriz, por exemplo, 19 mil pessoas se inscreveram. Todos os dias, a coordenadora do Minha Casa no município, Maria Goreth Santos, atende, segundo ela, uma centena de ligações de pessoas que esperam ser beneficiadas.

O prefeito de Imperatriz, o tucano Sebastião Torres Madeira, do mesmo partido do atual ministro das Cidades, Bruno Araújo, diz que o programa se transformou em uma “desgraça política”. Ele conta que os adversários usam a paralisia das obras e o aumento das invasões para “queimá-lo” politicamente. “As pessoas perderam a esperança de receber a moradia e começaram a invadir. Se o programa tivesse continuado no mesmo ritmo, isso não aconteceria”.

Em Zé Doca, o mato já tomou conta das casas

“Esse mar de casa quase pronta, abandonada, com o mato tomando conta e a gente sem lugar pra morar. Sou pobre, mas devagarzinho ia conseguir terminar as obras e deixar do meu jeitinho”, diz Domingos Diniz, de 53 anos. Durante cinco meses, ele e a mulher, Celerinda Correa, de 27 anos, junto com os seis filhos – Celisvânia, Elisvânia, Elenilsson, Danielle, Ana Flávia e Wellington – moraram em uma das mil casas do empreendimento do Minha Casa Minha Vida em Zé Doca, a 302 quilômetros de São Luís.

A família, porém, foi despejada do imóvel, no mês passado, pela Polícia Federal, que numa operação retomou as casas para serem concluídas e, finalmente, entregues aos beneficiários. A promessa era de que as obras seriam retomadas neste mês, mas até agora não começaram.

O empreendimento de Zé Doca começou a ser construído em 2012 e foi invadido depois que ficou mais de um ano com as obras em ritmo lento e totalmente paradas devido ao atraso no pagamento, pelo governo federal, às construtoras.

As casas estavam 90% concluídas, mas não tinham instalações elétricas e hidráulicas. Para demarcar o território, as famílias chegavam e escreviam seus nomes na parede. Alguns chegaram a cavar poço artesiano para ter água no local.

Com a ação de despejo, as casas foram depredadas, vidros quebrados, portas, janelas, fiação elétrica e caixa d’água, vasos sanitários e pias saqueados. O levantamento que as duas construtoras (Angra e Viluma) fizeram para a Caixa Econômica Federal estima que os prejuízos com as invasões são de R$ 6 milhões a R$ 7 milhões.

Algumas das famílias que invadiram o empreendimento dizem que fizeram o cadastro no programa e esperavam ser contempladas. “Na época das eleições, fazem um monte de promessas, mas depois nunca cumprem”, afirma Celerinda, que mora atualmente com Domingos em uma casa de pau a pique bem em frente ao condomínio do MCMV.

A principal fonte de renda da família são os R$ 572 do Bolsa Família, mas Celerinda deixa o cartão com o dono da mercearia para comprar fiado com a garantia de que o comerciante, que sabe a senha do cartão, vai receber. Ela doou a filha Sofia, aos dois meses, depois que o marido, que trabalha com bicos de capina, ficou doente.

No oeste maranhense, Zé Doca tem 50,5 mil habitantes e baixo índice de desenvolvimento humano. A situação precária da família de Domingos e Celerinda, com esgoto correndo a céu aberto e escassez de serviços básicos, não difere muito da retratada por Glauber Rocha no documentário “Maranhão 66”, que o cineasta filmou quando o então deputado José Sarney tornou-se governador do Maranhão, prometendo um novo futuro.

Medo. A aposentada Lina Albertina, de 58 anos, também invadiu o empreendimento do Minha Casa que estava paralisado em Zé Doca. Para ela, foi como se o futuro tivesse chegado. Para comemorar, Lina comprou, em 12 vezes, uma geladeira nova. Mas logo o eletrodoméstico de R$ 3.460 chamou atenção e ela quase teve a porta arrombada num dia em que não estava em casa. Foi avisada por um vizinho. Trocou a geladeira por outra mais barata, de R$ 1.600, dessa vez parcelada em dez vezes, e foi despejada pela Polícia Federal.

“A gente tinha medo, mas era a minha casa e não tinha de pagar aluguel”, afirma Lina. Agora ela vive numa casa alugada, quase um sítio, perto do condomínio, por R$ 100. Da aposentadoria, gasta grande parte com remédios para tratar trombose, osteoporose e pressão alta. “Espero que antes do fim da minha vida eu consiga entrar na minha própria casa”, diz Lina, que trabalhava como lavadora.

A expectativa das construtoras é que, se as obras voltarem nesta semana, o empreendimento será entregue no dia 26 de dezembro.

Os seguranças contratados pelas empresas depois que o empreendimento foi retomado dizem que o trabalho para que as casas não sejam ainda mais depredadas não é fácil porque precisam enfrentar até pessoas armadas. “Estou arriscando a minha vida, mas estou desempregado e tenho de sustentar minha família”, diz Arnaldo Oliveira Pereira.

No mercado paralelo, cada caixa d’água foi vendida por R$ 70 e as portas de madeira por R$ 20. Ficaram intactos os aquecedores solares em cima das casas, produto pouco atraente para um lugar onde já amanhece fazendo perto de 30º C.

A reportagem do Estado encontrou o prefeito de Zé Doca, Alberto Carvalho Gomes, em sua casa, assistindo à semifinal da Eurocopa, entre Portugal e País de Gales, às 16h, de quarta-feira, dia 6 de julho. Sem tirar os olhos da TV, o prefeito, do PTB, partido do chamado centrão, que dava sustentação à Dilma Rousseff e embarcou rapidamente no governo Temer, jogou toda a culpa na presidente afastada. “Os candidatos da oposição ficam me culpando pela não conclusão das obras, fizeram até manifestação”, diz. “Sou o prefeito mas não posso interferir em nada.”

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