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Marisângela: apoio de poucos professores. | Arquivo Pessoal
Marisângela: apoio de poucos professores.| Foto: Arquivo Pessoal

Leia a seguir o depoimento da Marisângela Brittes, professora do curso de Engenharia de Software da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), mestre em Engenharia Elétrica e Informática Industrial com especialidade em redes de sensores sem fio e doutoranda em Engenharia Biomédica. Ela foi convidada pela

Gazeta do Povo
a falar sobre as interações entre universidade e setor privado. “O que quero é incentivar as pessoas a promoverem cada vez mais essa interação”, diz. Ela concorda que o sistema acadêmico do Brasil tem falhas, e por isso quis compartilhar a experiência que acumulou nos últimos dez anos, como aluna, empreendedora, pesquisadora e professora.

“Como aluna, comecei a empreender ainda na graduação e tive algum incentivo por parte de poucos professores. Como minha área é tecnologia, ficam restritos à parte técnica, sem entender as reais necessidades das pessoas e como a tecnologia deve ser aplicada.

A maioria não entende a importância de empreender, porque para o perfil deles, o ideal é a estabilidade de um concurso público. Não estou fazendo julgamento de valor, mas poucos professores têm experiência de mercado, o que afeta muito a orientação para business e empreendedorismo.

Ingressei na incubadora da universidade, o coordenador sempre teve boa vontade em ajudar, muitas vezes indo contra a burocracia e o regulamento, mas conforme mudava a onda política dentro da universidade mudavam as prioridades e os processos burocráticos internos que, de tão lentos, tornam impossível trabalhar num ritmo mais dinâmico. Na universidade pública, a incubadora consegue trazer pouco resultado, tem mais função institucional.

Mesmo com dificuldades, consegui aporte de vários editais de fomento por conta própria e consegui parceria com a universidade para desenvolver os projetos dentro de um espaço em um departamento. Com exceção do professor que trabalhava comigo em parceria, os outros não davam muito crédito à parceria start-up e universidade, mesmo eu deixando os equipamentos do projeto como doação para a universidade. Aquele velho conflito de aceitação de um elemento privado trabalhando com um público. As patentes, que sei que alguns professores possuem, estão subutilizadas na gaveta por não terem meios de comercializar (ainda não existem processos claros de como fazer isso de forma eficiente na universidade pública) e transferência de tecnologia é algo desconhecido para a maioria dos pesquisadores da minha área.

Até tentei intermediar uma negociação de um sensor desenvolvido por um pesquisador de universidade pública com uma empresa francesa que conheço, mas sem sucesso. Muita lentidão e burocracia.

Ingressei no mestrado e hoje estou no doutorado. O que dizer da pesquisa em engenharia no Brasil: se comparada a nível mundial, salvo algumas exceções, ela é irrelevante. Não competimos com chineses e indianos, principalmente os que estão nas universidades americanas, não produzimos ciência de última milha. Nossos congressos não apresentam trabalhos nem temas para discussão de classe mundial. Muitos dos trabalhos de pesquisa de pós-graduação se parecem com trabalhos simples de graduação. E o pior, muitos dos estudantes de pós-graduação nunca trabalharam na área, vivem de bolsas e serão os futuros professores formadores de opinião e dos futuros profissionais. Não que pesquisa básica não seja importante, mas estamos atrasados tanto na básica quanto na aplicada.

As métricas da Capes também deveriam ser revistas, uma vez que se mede produtividade através de artigos, com mais ênfase do que se valorizam os projetos de inovação. O que ocorre é que muitos professores orientam alunos para escreverem artigos, por ser mais simples do que planejar todo um projeto de inovação mais abrangente, que muitas vezes poderia envolver parceria com o setor privado e beneficiar ambos. Sem generalizar, mas pode-se observar que muitos professores prestam um concurso público para ficar longe da selva corporativa e ali sobrevivem, porque podem se esconder atrás da área do seu concurso sem a cobrança competitiva para aprendizado contínuo e variado. E é essa a visão que eles tem, por vezes, muito limitada.

Aí entra a visão de professora, onde atuo hoje. Os alunos têm sim interesse em empreender, veem como o mundo está mudando e buscam ajuda. Mas professores empreendedores são poucos e nem sempre são bem vistos dentro do corporativismo universitário, público ao menos, por sair do ritmo comum.

Há espaço para trabalhar empreendedorismo dentro da universidade e há interessados. O que se precisa é criar mecanismos e cultura para isso. Tanto para alunos como também para professores. E mostrar que se pode sim, empreender e dar aula. Não é errado, não é impossível juridicamente. É apenas querer.

Eu admiro muito Silvio Meira, renomado professor e inovador, por ter tido visão e coragem de criar algo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que pode ser seguido por outras universidades. Basta que nós, como influenciadores, comecemos a cumprir nosso papel nessa mudança.

Estamos bem atrasados com relação a outros países, mas temos potencial e muito a construir, então mãos à obra, eu já me infiltrei, vamos plantar a semente.”

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