• Carregando...
 |
| Foto:

Inspiradas em instituições como o Alcoólicos Anônimos, diversas irmandades – como são chamados os grupos de ajuda mútua – surgiram com o propósito de reunir e estimular pessoas que vivenciam um mesmo problema a ajudarem a si mesmas e aos outros. A "doença" compartilhada é a dependência, e muitos são seus objetos: o álcool, as drogas, o sexo, o amor, a comida, o jogo.

Confira os endereços e horários de algumas irmandades em Curitiba

Segundo o psicólogo An­dré Luiz Vendel, grupos anônimos de ajuda coletiva constituem uma ferramenta legítima de auxílio para pessoas em sofrimento psíquico. Vendel explica que a constituição do sujeito se dá no contato com o outro, e é justamente pela promoção do contato com um outro semelhante que esses grupos podem oferecer efeitos terapêuticos para seus participantes.

"O ser humano precisa relacionar-se com o outro. O que os grupos de ajuda mútua oferecem é uma rede de sustentação coletiva. O encontro entre pessoas que se identificam umas com as outras e compartilham suas experiências de vida por si só já possibilita que um indivíduo elabore novos arranjos para seu sofrimento", conclui. Entenda como funcionam algumas dessas irmandades.

Lema

O lema "só por hoje" é praticado por todas as irmandades e consiste em manter o indivíduo consciente de que a cura é um processo diário e longo. A expressão reduz a pressão: manter o controle só por hoje é uma meta mais palpável do que manter o controle sempre.

Literatura

Todos os grupos de anônimos utilizam os "12 Passos" do programa de recuperação do Alcoólicos Anônimos adaptados às demandas emocionais de cada irmandade. Além disso, compõem a literatura das irmandades as "12 Tradições", os "7 Lemas" e os "12 Conceitos" – textos de orientação para as reuniões e para o comportamento dos participantes.

Espiritualidade

As irmandades não têm caráter religioso, não pregam nenhum credo nem exigem que seus participantes creiam. Porém, primam pelo desenvolvimento espiritual do indivíduo, posto que atribuem ao fortalecimento espiritual parte importante da recuperação.

Tratamentos

Os grupos não oferecem tratamento clínico especializado, não aconselham, não receitam remédios. As reuniões visam ao compartilhamento de experiências, no tempo e na forma que cada indivíduo é capaz de compartilhar.

Alcoólicos Anônimos (AA)

Criado em 1935 nos EUA por iniciativa de Bob Smith e Bill Wilson – um médico e um corretor da bolsa de valores, respectivamente, que sofriam de um grave problema de alcoolismo –, o Alcoólicos Anônimos (AA) espalhou-se pelo mundo desde então. Atualmente, existem mais de 90 mil grupos locais da irmandade, em 150 países.

O programa de recuperação de AA é composto pelos "12 Passos" e pelas "12 Tradições", espécie de guias de orientação para o comportamento que deve ser adotado por aqueles que desejam parar de beber – o desejo de parar é a mola propulsora de todo o processo de recuperação. Porém, apenas vontade não é suficiente: é preciso, também, admitir a impotência pessoal diante do vício.

João*, 54 anos, soube da existência do AA muito antes de decidir frequentar as reuniões do grupo. Com um longo histórico de abuso de álcool, viveu anos alternando períodos de sobriedade e meses de alcoolismo. Ele diz que, durante esses anos, manteve-se apenas funcional – acordava e trabalhava no modo automático, mas não tinha controle sobre o impulso de beber. "O difícil é reconhecer que existe um problema. O medo de falhar e não conseguir parar também é assustador. Até entender que precisava de ajuda e até querer essa ajuda, perdi anos da minha vida. Tenho lacunas na memória, não lembro o que vivi, o que perdi. Estraguei muita coisa, perdi amigos, decepcionei família. Passava dias seguidos ausente, bebendo. Não conseguia construir nada na minha vida por causa da bebida", relata.

João relutava em procurar ajuda por vergonha. Foi a tradição do anonimato seguida pelo AA que o encorajou a ir à primeira reunião. É membro desde 1998.

Geraldo*, 53 anos, frequenta o AA há 28 anos. Começou a beber ainda criança, aos 8. "Aos 12, eu chegava desmaiando em casa", relembra. Durante muitos anos, ele tentava se convencer a parar de beber não pelo reconhecimento da doença, mas pelo efeito da ressaca. "As promessas não vingavam. Chegou um momento em que eu não conseguia mais ingerir nada sólido, pois só bebia. Para me alimentar, batia fígado e feijão no liquidificador. Foi o fundo do poço. Naquele momento ou eu me tratava ou morria". Foi assim que iniciou o tratamento e foi parar no Alcoólicos Anônimos. "O remédio do AA vem pelo ouvido. Escutando outros membros, entendi o que tinha de fazer se quisesse parar. Hoje, não penso no que o álcool me tirou, mas no que a recuperação me deu", diz.

Neuróticos Anônimos (N/A)

"Só por hoje evitarei o descontrole emocional". É com esse lema que as reuniões dos Neuróticos Anônimos (N/A) iniciam. O grupo foi fundado em 1964 por um alcoólico recuperado no Alcoólicos Anônimos. A proposta da irmandade é oferecer suporte para pessoas cujas emoções interfiram em seu comportamento – não é necessário um diagnóstico clínico de neurose para participar. Para o N/A, o neurótico é qualquer pessoa que sinta que sua vida é prejudicada pelas emoções, em qualquer grau.

O N/A chegou ao Brasil em 1969 e hoje constitui uma rede formada por 380 grupos espalhados pelo país. Em Curitiba, funciona há 20 anos. Nas reuniões semanais, os membros compartilham o que julgarem necessário, e somente se quiserem. Além disso, a tradição do anonimato é mantida e os depoimentos são confidenciais. Não há interferência de qualquer tipo nas falas dos membros – nem de aprovação, nem de desaprovação.

"É disso que se trata a serenidade: saber que ninguém vai julgar, retrucar, questionar o que você expõe", pontua Maria*, membro da irmandade há um ano e meio. Por meio das reuniões, se vivencia a "terapia do espelho": escutando o outro, é possível identificar a si mesmo. Maria quase não fala, ainda não se sente pronta para expor suas dores, mas sente-se beneficiada pelo espelho dos companheiros.

Ana*, por sua vez, participa desde que o grupo estruturou-se em Curitiba, há duas décadas, e afirma, com segurança, que foi o N/A que lhe ensinou a entender suas emoções. "Vi uma reportagem na televisão e decidi procurar o grupo aqui. Na primeira reunião pensei ‘aqui é meu lugar’. Permaneci desde então, por gratidão e para não fraquejar. Foi a irmandade que me ensinou a perceber quando a depressão está rondando."

Mulheres que Amam Demais Anônimas

O Mulheres que Amam Demais Anônimas (Mada) ajuda mulheres cujo amor pelo parceiro tornou-se obsessão. Baseado no livro Mulheres que amam demais, da terapeuta conjugal Robin Norwood, o grupo tem por objetivo abordar a faceta negativa e destrutiva do amor e mostrar a diferença entre o amor saudável e o amor doentio, ajudando mulheres com padrões mórbidos de relacionamentos a recuperarem-se. No Brasil, existe desde 1994; em Curitiba, está estruturado há 13 anos. Atualmente, ocorrem três reuniões semanais, que reúnem, em média, 25 mulheres cada.

Mulheres que amam demais são excessivamente tolerantes e subjugadas emocionalmente pelo parceiro, no entanto, podem adotar comportamento violento quando sentem-se ameaçadas ou abandonadas. Nas reuniões, realizadas nos mesmos moldes dos demais grupos anônimos, as participantes podem compartilhar experiências e avanços rumo à recuperação.

Eliane*, 42 anos, frequenta o Mada há oito anos. Era dependente emocional do ex-marido, então alcoólatra. No auge da doença, contratou um detetive para segui-lo. Ela admite que ingressou na irmandade com o propósito errado. "Fui para o Mada para aprender o que fazer para segurar meu parceiro. Escorreguei muito até aprender a desenvolver o autocontrole. Hoje, não me traio mais. Não entro mais em relacionamentos com homens casados, nem dependentes químicos. Antes do Mada, procurava por esses parceiros sem pudor", assente. Ela reputa ao Mada a recuperação. "Sempre fiz terapia, tentei religião, tentei psiquiatra. Mas nada funcionou."

*Os nomes são fictícios.

Ilustrações: Felipe Lima/Gazeta do Povo

Onde achar

Confira os endereços e horários de algumas irmandades em Curitiba:

Alcoólicos Anônimos

• Grupo Independência

Endereço: Av. Vicente Machado, 738, Sobrado 1

Reuniões: quartas, às 20 h, e sábados, às 17 h

Contato: 3222-2422 / contato@aapr.org.br

• Grupo Esperança do Sabará

Endereço: R. Pedro Andreata, 522, CIC

Reuniões: sábados às 20h30

Outros grupos no site: http://www.aapr.org.br/

Narcóticos Anônimos

• Grupo Nova Semente

Endereço: João Prosdócimo, 139, Alto da XV

Reuniões: todos os dias, menos às quartas, às 19h30; aos domingos, às 17 h

• Grupo Bom Jesus

Endereço: Rua 24 de Maio, 95, Centro, Sala 13

Reuniões: de segunda a sexta, às 15h30, 17h30 e 19h30, e aos sábados, às 17h30

Outros grupos no site: http://www.na.org.br/grupo

Neuróticos Anônimos

Endereço: Rua 24 de Maio, Rebouças – Auditório da Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho

Reuniões: segundas e quartas-feiras, às 19 h

Contato: (41) 3336-2260

Mada

Endereço: Rua 24 de Maio, 95, Centro – Sala térrea da Igreja Bom Jesus

Reuniões: quartas, às 19 h, e sábados, às 17 h

Contato: (41) 3343-7884

Dependentes de amor e sexo anônimos (Dasa)

Endereço: Rua 24 de Maio, Rebouças – Auditório da Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho

Reuniões: quintas, às 19h30

Contato: dasa@gmail.com

Endereço: Alameda Augusto Stelfeld, 1742, Bigorrilho

Reuniões: Sábado, às 16 h

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]