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Não raras as vezes, as atribuições do advogado público são confundidas com as do Ministério Público ou com as de outras profissões correlatas. Isso tem sua lógica. Até a Constituição Federal de 1934 não existia uma estruturação da advocacia pública brasileira, pois essa função era atribuída exclusivamente ao Ministério Público. Tanto é assim que, sob a égide da ordem constitucional de 1891, através do Decreto 848, dentre as atribuições do Ministério Público Federal, constava a de “promover o bem dos direitos e interesses da União”.

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    Somente com a Constituição Federal de 1988 a advocacia pública ganhou destaque e teve suas atribuições típicas objetivamente definidas. Foi exatamente a partir desse momento que se distinguiu claramente as funções atinentes à advocacia pública daquelas atribuídas ao Ministério Público, sendo lhe conferida a missão institucional de promover a defesa extrajudicial (consultoria jurídica) e judicial (representação) dos interesses da Fazenda Pública.

    No entanto, não raras vezes nos deparamos com notícias de provimentos judiciais, manifestações do Ministério Público ou pareceres de Tribunais de Contas no sentido de atribuir responsabilização de advogados públicos por seus posicionamentos em peças jurídicas. Observe que o Tribunal de Contas da União chegou ao ponto de decidir, no acórdão 675/2006, que: “sempre que o parecer jurídico pugnar para o cometimento de ato danoso ao Erário ou com grave ofensa à ordem jurídica, figurando com relevância causal para a prática do ato, estará o autor do parecer alcançado pela jurisdição do TCU”.

    Situações como essa se resumem em tentativas de subjugar a advocacia pública, desestimulando, dessa forma, a oportunidade de inúmeros jovens que anseiam seguir essa carreira jurídica, por não existir uma política que outorgue direitos à altura e da relevância das funções exercidas. Essa situação, caso seja mantida, pode tornar cada vez mais frágil a atividade, com consequências graves no cumprimento de questões que envolvam a administração pública.

    Deixa-se claro que não se está aqui defendendo a imunidade do advogado público, pois ele está sujeito às penalidades administrativas, criminais e cíveis, quando agir com dolo ou fraude, como bem disciplinou o art. 184 do Código de Processo Civil. Por outro lado, deve haver o respeito à liberdade de interpretação e de emissão de opiniões no âmbito de pareceres e peças judiciais, não devendo haver qualquer tipo de punição se o advogado emitir seu ponto de vista que porventura não atenda ao posicionamento proferido por algum Tribunal de Contas, por exemplo.

    É inaceitável que uma função tão importante para a proteção da coisa pública não seja respeitada pelos demais operadores jurídicos, que, inclusive, possuem o mesmo grau de status constitucional. É necessário fazer-se respeitar o art. 132 da Carta Constitucional, ao prever que a liberdade profissional na representação institucional da administração pública em juízo ou em atividade de consultoria jurídica, se traduz em prerrogativa de índole constitucional outorgada aos advogados públicos, conforme já se manifestou o STF no julgamento da ADI 4261.

    A responsabilização dos advogados públicos, fora das hipóteses de dolo e fraude, vai na contramão do pensamento jurídico mais moderno, na medida em que o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, salientou a importância de uma advocacia pública forte e independente, como forma de garantir a legalidade administrativa. Para que o Estado seja realmente autônomo, nos termos do art. 18 da CF/88, é essencial que mantenha uma advocacia pública bem consolidada.

    Note-se que todos aqueles que exercem a atividade de advocacia, seja no âmbito público ou privado, estão sujeito ao Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), o qual garante a prerrogativa de liberdade de manifestação nos processos administrativos e judiciais. A independência técnica é uma característica imanente do exercício da advocacia pública, estando inclusive expressamente descrita em vários dispositivos do Estatuto da OAB, bem como no Provimento n.º 114/2006, que assim disciplinou: “é dever do advogado público a independência técnica, exercendo suas atividades de acordo com suas convicções profissionais e em estrita observância aos princípios constitucionais da administração pública”.

    Portanto o fortalecimento da advocacia pública representa o fortalecimento do Estado, da cidadania e do combate à corrupção, sendo que seu eficiente desempenho depende do respeito da inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão, conforme prescreve o art. 133 da Constituição Federal.

    Helton Kramer Lustoza, procurador do Estado do Paraná , professor do Curso de Direito na PUC-PR e presidente da Comissão da Advocacia Pública da OAB/PR – Subseção de Umuarama.
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