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O ex-governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro.
O ex-governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Marcos Correa/PR

Muitas verdades e ainda mais mentiras ouvi em churrascos, essa instituição brasileira mais importante que o Congresso. Mas não só. Uma vez, um amigo servia linguiça quando uma convidada recusou dizendo: "Desculpa, meu pai tem um matadouro e eu sei como são feitas". Silêncio. E agora é no churrasco que vejo mais e mais brigas por causa de políticos, um ridículo atroz.

Estava reunido com amigos quando um rapaz tatuado, de boné e óculos, se apresentou como DJ e influencer. Disse em voz baixa que gostava de acompanhar meus comentários na TV e queria saber se, com os resultados das últimas pesquisas, a eleição já estava mesmo decidida. Quando fui responder, uma moça do outro lado da mesa se levanta, enrolada numa canga colorida, cabelo pintado de loiro, e grita: "Ah, mas vocês não acreditam em pesquisas né?". Precisei de uma fração de segundo para perceber que, como um soldado olhando para um primeiro míssil cruzando o céu, que a paz havia acabado.

Escolha seu presidente, governador, senador e seus deputados este ano com liberdade e espírito cívico, mas nunca com a ilusão infantil de que eles realmente se preocupam com você.

Cocei a cabeça, respirei fundo, e ainda tentei devolver com uma pergunta: "Hoje tem quase vinte institutos divulgando resultados, você acha que todos mentem e combinam o que vão falar num subsolo escuro e esfumaçado, como aqueles nazistas em Bastardos Inglórios?". O marido tentou puxar a esposa exaltada pelo braço dizendo para ela se acalmar, mas a caixa de Pandora tinha sido aberta.

O DJ, muito constrangido, olhava como que se desculpando pela pergunta. Eu só queria terminar a picanha e sair dali antes do discurso hidrófobo que estava a caminho, mas era uma cilada sem escapatória. A única chance era ouvir pacientemente, com aquela concordância cínica dos que querem acabar logo com a conversa. O churrasco acabou. Pedi o Uber e fui embora antes que os espetos se transformassem em sabres.

Respeito a trajetória de todos que trabalham na minha área, mas ter sido estrategista de algumas grandes campanhas políticas me imunizou, para sempre, de qualquer possibilidade de contágio pelo vírus da idolatria, aquele que causa desde cegueira até a febre terçã que faz com que o hospedeiro do parasita estrague grupos de zap, festas, reuniões de amigos e colegas de trabalho com fervor neopentecostal e glossolalia.

A eleição deste ano, se houver, será a mais radicalizada desde a redemocratização, talvez o último respiro das viúvas da Ditadura Militar de 1964. Com a proximidade do pleito, mais de 80% dos eleitores de Lula e Bolsonaro dizem já terem decidido seu candidato, muito mais por repulsa ao adversário do que por amor ao seu próprio político. É a eleição do não, nunca, de jeito nenhum, da opção negativa, do pé de pato, mangalô, três vezes.

As feridas abertas este ano vão demorar a fechar, mas o trabalho de cicatrização precisa começar o mais rápido possível. Não é possível um país funcional e em ordem com uma parte da população mergulhada no ódio, no ressentimento, nas teorias conspiratórias e na crença de que vive sob um regime opressor que só quer seu mal. Todos os elementos para a corrosão dos laços sociais estão dados.

A tradição conservadora clássica não é a política da fé, mas do ceticismo, como explicou Michael Oakeshott. Os melhores líderes são os que atrapalham menos, não os que supostamente ajudam mais. Se você conhece alguém mergulhado no odioso transe político, cuide dele com empatia e compreensão, mas com firmeza. Fure sua bolha cognitiva, mostre que não há uma batalha do bem contra o mal, apenas um país pobre, errático e semiletrado que precisa ser construído.

Há exatos 200 anos, o país conquistava sua independência, mas a dependência das almas escravizadas pelo sebastianismo e pelo messianismo ainda é um mal que não dá sinais de ir embora. O Brasil precisa de cidadãos, não de súditos. Políticos são como você e eu, apenas no geral mais vaidosos, corruptos, insensíveis e manipuladores.

Escolha seu presidente, governador, senador e seus deputados este ano com liberdade e espírito cívico, mas nunca com a ilusão infantil de que eles realmente se preocupam com você. São pessoas que estão cuidando primordialmente delas mesmas, de suas famílias, amigos e doadores de campanha e não valem, nem de longe, a água no chope ou o desperdício de uma picanha maturada no seu próximo churrasco.

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