• Carregando...
O filósofo Jacques Maritain, em foto feita por volta de 1930.
O filósofo Jacques Maritain, em foto feita por volta de 1930.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Darei continuidade ao tema da Doutrina Social da Igreja, apoiando-me no Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicado em 2004. Logo na introdução nos deparamos com o tema do “humanismo integral e solidário”. É sobre isso que eu gostaria de refletir no texto artigo de hoje, sobretudo o conceito de “humanismo integral” – na próxima semana, examinarei o sentido de “solidário”.

A noção de humanismo integral foi introduzida por Jacques Maritain em sua obra homônima de 1936. Neste trabalho, Maritain inaugura um novo tipo de humanismo que, segundo ele, é distinto tanto do humanismo renascentista quanto do burguês, caracterizado pela sua racionalidade e limitação a certas dimensões da vida humana, como a arte, a poesia e a religiosidade. O humanismo integral de Maritain, por outro lado, promove uma abordagem mais abrangente que respeita e fomenta a dignidade humana.

Trata-se de um conceito fundamental dentro da Doutrina Social da Igreja Católica, especialmente após ser destacado por Paulo VI na encíclica Populorum Progressio, de 1967, quando ele conclui que “é necessário promover um humanismo total”, em referência direta ao livro de Maritain.

Para Bento XVI, o humanismo integral está diretamente relacionado com a caridade e verdade

Paulo VI pergunta: “que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? Poderia aparentemente triunfar um humanismo limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte do verdadeiro humanismo”. Sua conclusão reverbera o sentido de um humanismo aberto ao absoluto: “não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exata do que é a vida humana. O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se”.

Esse desenvolvimento sinalizou um ponto de inflexão e colocou o humanismo integral ao cerne dos ensinamentos sociais da Igreja.

Outro grande papa que abordou o assunto foi João Paulo II. Ao longo de seu pontificado, o conceito de humanismo integral recebeu novas dimensões através do diálogo com a fenomenologia e o personalismo, este último uma contribuição significativa do filósofo francês Emanuel Mounier, que o articulou em sua obra de 1949. Essas correntes de pensamento enfatizam a importância da experiência e da subjetividade humana. Trata-se de uma visão de sociedade que valoriza primordialmente a pessoa em sua integralidade.

Posteriormente, Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate, de 2009, revisitou o humanismo integral, ampliando-o para o conceito de “desenvolvimento humano integral”, que ele cita 19 vezes em seu texto. Esta abordagem destaca a consideração de todas as facetas do ser humano – sua corporeidade, sua capacidade intelectual, sua sociabilidade e sua espiritualidade – na busca por estruturas sociais que promovam a justiça e a equidade. Para Bento XVI, o humanismo integral está diretamente relacionado com a caridade e verdade. Ele escreve:

“A fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é irrenunciável. A sua doutrina social é um momento singular deste anúncio: é serviço à verdade que liberta. Aberta à verdade, qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na vida sempre nova da sociedade dos homens e dos povos.”

A trajetória do humanismo integral, desde sua formulação inicial por Maritain até as interpretações e aplicações subsequentes por parte dos papas, reflete um processo contínuo de reflexão e adaptação aos desafios e questões contemporâneas. Ela evidencia não só a persistente relevância das ideias de Maritain, mas também a habilidade da Doutrina Social da Igreja de se renovar e de responder aos sinais dos tempos e se manter fiel não só aos seus princípios fundamentais de justiça social e dignidade humana, mas de anúncio do evangelho de Cristo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]