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Marielle Franco
A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados em 2018.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Marielle Franco deveria ser uma unanimidade nacional. Um símbolo da luta contra a violência e o crime organizado. Ela, afinal, foi morta por desafiar o poder das milícias, se insurgindo contra os tentáculos que esses grupos moviam para a exploração do setor imobiliário no estado do Rio de Janeiro. Só isso deveria bastar para se colocar de lado qualquer discordância sobre sua visão de mundo e posicionamentos ideológicos. Mas não no Brasil em que a necropolítica contaminou o debate público e o ódio virou um imperativo categórico.

Em certos círculos mais extremados, mencionar o nome de Marielle já é suficiente para atiçar os instintos mais primitivos. Foi o que ocorreu essa semana em São Leopoldo, cidade da região metropolitana de Porto Alegre. Em meio a uma manifestação da vereadora Ana Affonso (PT), mulheres integrantes do PL a interromperam com gritaria e xingamentos quando esta a citou na tribuna. “Que vergonha ver mulheres aqui que não conseguem se sensibilizar com uma parlamentar assassinada com cinco tiros na cabeça, e o próprio ex-chefe de polícia envolvido”, reagiu a parlamentar.

Seis anos após seu assassinato, e a memória de Marielle continua a ser alvejada por sicários travestidos de militantes.

Quem vaia a vítima, por via oblíqua acaba por aplaudir o autor. Se trata de uma dedução elementar. Que tipo de cidadão de bem é capaz disso? Como se dizer cristão e temente a Deus tendo esse tipo de comportamento vil, desprezível e desumano? As vaias a Marielle em São Leopoldo não são episódio inédito, tampouco isolado. Em 2018, uma placa com o nome dela foi quebrada por Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, então candidatos pelo PSL. Em 2022, os dois se reencontraram para celebrar o ato posando para fotos com os pedaços da placa. Não deixa de ter seu simbolismo perverso.

Em sua delação premiada, o ex-policial Ronnie Lessa, responsável por executar a vereadora, finalmente apontou aqueles que seriam os mandantes: Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa. Figurões da política e da polícia carioca com conexões ainda não de todo conhecidas. Os detalhes da investigação conduzida pela Polícia Federal revelam uma trama complexa de infiltração do crime no aparato estatal e ressaltam o drama da segurança pública no Rio de Janeiro.

A elucidação do caso, atrasada pelos próprios agentes do crime, deveria ser comemorada de forma universal, reforçando a necessidade de endurecer as medidas de combate ao narcotráfico e às milícias. É curioso notar, entretanto, que, para alguns elementos, o nome dos criminosos envolvidos nesse caso parece despertar menos ojeriza do que o de Marielle.

Seis anos após seu assassinato, e a memória de Marielle continua a ser alvejada por sicários travestidos de militantes. Não é preciso ter as mesmas posições que ela tinha para lhe prestar tributo nem lhe cobrar justiça. Mas isso parece ser impossível para aqueles que, desgraçadamente perdidos na coisificação dos adversários, parecem ver na morte um destino merecido àqueles de quem discordam.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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