• Carregando...
O brasileiro Eduardo Cruz (à direita) e o argentino Lucio Florio (segundo da direita para a esquerda) durante uma das sessões de debate do XI Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, em setembro de 2023.
O brasileiro Eduardo Cruz (à direita) e o argentino Lucio Florio (segundo da direita para a esquerda) durante uma das sessões de debate do XI Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, em setembro de 2023.| Foto: José Cacciabue/Ucasal

Uma coisa que a comunidade dedicada ao diálogo entre ciência e fé sabe fazer bem – ou ao menos melhor que muitas outras – é dar o devido reconhecimento aos seus grandes nomes ainda em vida. Não foi preciso esperar o falecimento de nomes como Ian Barbour, John Polkinghorne ou Stanley Jaki, que começaram a desbravar esse campo décadas atrás, quando ainda era tudo mato, para que todos soubéssemos do seu papel de pioneiros no estudo das relações entre ciência e religião, e na construção de um diálogo saudável entre ambas. Os três, por exemplo, receberam o Prêmio Templeton, ainda que com uma certa demora em alguns casos (respectivamente, em 1999, 2002 e 1987). O mesmo ocorre com “herdeiros” como Francis Collins e Alister McGrath: não há quem se interesse pelo diálogo entre ciência e fé e não saiba quem são eles e qual sua importância.

Na América Latina não é diferente. A Sociedade Internacional para Ciência e Religião (ISSR, na sigla em inglês) acaba de publicar um artigo de opinião de Ignacio Silva, doutor pela Universidade de Oxford e professor da Universidade Austral, na Argentina, sobre o panorama atual do campo na nossa região. Digamos que ele viu a criança crescer: enquanto estava na Inglaterra, coordenou dois projetos de três anos cada, cujos objetivos incluíam aumentar os laços entre os pesquisadores latino-americanos (laços esse que Silva ainda considerava tênues até cerca de dez anos atrás) e incrementar a produção acadêmica – eu participei de eventos de ambos os projetos, em 2011 na Cidade do México, em 2013 em Oxford, e em 2017 em Santiago. “O cenário inicial mudou para melhor, e hoje os acadêmicos latino-americanos não são mais periféricos, mas atores importantes no cenário mais amplo do diálogo mundial sobre ciência e religião”, afirma Silva, para logo em seguida dar crédito aos três pioneiros latino-americanos deste diálogo.

Se hoje temos eventos como o Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, é porque Eugenio Urrutia, Lucio Florio e Eduardo Cruz botaram as engrenagens para funcionar, com essa e outras iniciativas

As sementes do que temos hoje na América Latina foram lançadas na virada do século pelo mexicano Eugenio Urrutia, do Centro de Estudos em Ciência e Religião (Cecir) da Universidade Popular Autônoma do Estado de Puebla; pelo padre argentino Lucio Florio, da fundação Diálogo entre Ciência e Religião (DeCyR); e pelo brasileiro Eduardo Cruz, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Eles fizeram no nível regional o que nomes como Barbour e Polkinghorne haviam feito no nível global. Com isso, não digo que antes deles o debate sobre ciência e fé por aqui fosse um nada completo – é obrigatório, por exemplo, lembrarmos do nosso Newton Freire-Maia, aqui da UFPR, falecido em 2003 e que também escreveu sobre o assunto, e certamente essa conversa já vinha ocorrendo também em pequenos grupos locais – sei de ao menos um, que funcionou na cidade onde cresci, São José dos Campos (SP), e foi reativado recentemente.

Mas, se hoje temos eventos como o Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião – cuja edição mais recente, a 11.ª, ocorreu no ano passado na Argentina, e cuja próxima edição, em 2025, tenho esperanças de ver no Brasil –, é porque esse trio botou as engrenagens para funcionar, com essa e outras iniciativas, a exemplo da revista on-line Quaerentibus, fazendo dos estudos sobre ciência e fé um campo acadêmico estabelecido. Entidades citadas por Silva em seu artigo, como a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência e a Sociedade Brasileira de Cientistas Católicos, ainda que não sejam fruto de um trabalho direto de Urrutia, Florio e Cruz, também devem ao menos um pouco a eles. E os três ainda estão na ativa, escrevendo, publicando, palestrando e podendo receber esse merecido reconhecimento.

Zygon agora tem acesso aberto

A Zygon, uma das principais revistas acadêmicas sobre ciência e religião em todo o mundo (se não for a principal; e eu digo isso enchendo a boca, pois já publiquei artigo lá), está de casa nova e, melhor ainda, de portas abertas para todos. A publicação, que antes estava no guarda-chuva da Wiley, passou para a Open Library of Humanities e agora funciona no sistema diamond open access: todos os conteúdos podem ser acessados livremente, sem necessidade de assinatura como era até então. Todas as edições, desde a primeira, de 1966, já estão disponíveis no arquivo.

Coluna em férias; voltamos no meio de fevereiro

O colunista está saindo de férias por duas semanas, e o Tubo de Ensaio estará de volta em 17 de fevereiro. Nesse meio tempo, que tal conferir dezenas de entrevistas com cientistas, religiosos, filósofos, historiadores e outros especialistas, feitas ao longo de 15 anos de blog e coluna e reunidas em livro? A razão diante do enigma da existência traz minhas conversas com Marcelo Gleiser, o cardeal Gianfranco Ravasi, William Lane Craig, Guy Consolmagno, Peter Harrison, George Coyne e outros nomes importantes, sobre temas como criação e evolução, bioética, origem do universo e “lendas negras” da história da relação entre ciência e fé.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]