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Estima-se que, sem a apicultura migratória, os Estados Unidos perderiam um terço de sua colheita. | Macroscopic Solutions/ Flickr Commons/Fotos Públicas
Estima-se que, sem a apicultura migratória, os Estados Unidos perderiam um terço de sua colheita.| Foto: Macroscopic Solutions/ Flickr Commons/Fotos Públicas

Uma coisa que qualquer pessoa sensata há de concordar – e não importa se ela é vegana, carnívora ou de qualquer outra “tribo alimentar” – é que o abacate é uma delícia. Porém, um paradigma está circulando na internet sobre a verdadeira natureza da fruta, o que poderia levar à renúncia de alguns dos seus mais vorazes apreciadores. Dependendo de quão rígida é a definição sobre veganismo, todas as batidas de abacate com amêndoas que um adepto dessa dieta tomou na vida podem não ser (pausa para a tosse) tão veganas assim no final das contas.

Veganos são aqueles que não consomem nenhum produto feito COM animais, como bacon e couro, mas também os são produzidos POR animais: os casos mais óbvios são o leite e a manteiga. Para alguns, contudo, isso se estende ao mel, que é feito a partir do trabalho das abelhas. Esse tipo de vegano acredita que explorar o trabalho das abelhas e extrair sua fonte de energia é imoral. Segundo eles, a apicultura em larga-escala poderia prejudicar e até matar as abelhas.

E o que os abacates têm a ver com isso? Tudo. Explicamos: alguns abacates e amêndoas também são produzidos pelo trabalho das abelhas. É que esses insetos polinizam muitos dos nossos vegetais e frutas prediletos, mas não existem em número suficiente para fazer o trabalho de forma natural ou eficiente. Produtores rurais empregam, então, uma prática chamada apicultura migratória: se as fazendas não vão até as colmeias, as colmeias vão até as fazendas – levadas, é claro, pelos agricultores. Ali, as abelhas vivem por um período curto de tempo, para polinizarem as culturas durante a janela mais fértil para as plantas.

Um artigo na revista Scientific American sublinha a importância dessa técnica e os efeitos para o ecossistema. A publicação estima que, sem a apicultura migratória, os Estados Unidos perderiam um terço de sua colheita. Entretanto, de acordo com a Scientific American, isso envolveria crueldade com os insetos. “Forçar as abelhas a obter pólen e néctar a partir da imensidão de uma única cultura as priva de uma dieta mais diversa e nutritiva, que seria encontrada em habitat natural. A [apicultura] migratória também coloca as abelhas em um bumerangue de fartura ou fome extrema. Uma vez que uma determinada florada acaba, elas não têm mais o que comer, pois só há um único campo, desprovido de pólen e a perder de vista. O xarope de açúcar e pólen oferecido pelos apicultores não é nem de perto tão nutritivo quanto o pólen e o néctar de plantas silvestres”.

Mas aqui vai algo que o debate não diz: abacates e amêndoas não são as únicas culturas polinizadas desta maneira. A apicultura migratória é um “piso escorregadio” que, para quem a deseja evitar, pode mudar o escopo do veganismo. Outras frutas e vegetais cuja produção depende da técnica incluem maçãs, ameixas, cerejas, alfafa, mirtilos, melancia, melão, pepino, abóbora, alface, abóbora e tangerina. Nem todo item é cultivado assim, mas, a menos que o vegano em questão conheça as práticas da fazenda de onde vem o alimento, não haveria como saber com certeza se abelhas foram usadas no processo.

O grupo de defesa dos direitos dos animais PETA tem uma forte restrição em relação ao mel. “Esses pequenos animais são produzidos industrialmente, como frangos, suínos e bovinos”, afirma o site da organização. “Evite mel, própolis, geleia real e outros produtos que vêm das abelhas”. Contudo, a página da entidade dedica um farto espaço aos “melhores pratos veganos para amantes de abacates”, incluindo pudim de chocolate com abacate e abacate recheado com tofu.

Escolhas melhores

Em nota assinada pela vice-presidente do grupo, Tracy Reiman, a PETA diz que “ser vegano diz respeito a fazer escolhas melhores, que trarão mudanças positivas. Os consumidores médios não podem evitar produtos que envolvem a apicultura migratória, assim como não podem evitar dirigir no asfalto, que tem ingredientes animais – porém, eles podem salvar a vida de centenas de animais todos os anos, escolhendo alimentos de origem vegetal em vez de carnes, ovos e lácteos”, diz a vice-presidente do grupo, Tracy Reiman.

Questionada sobre como os produtos que usam a apicultura migratória são diferentes do mel, dado que as abelhas são empregadas em ambos os casos, a porta-voz sênior da PETA Catie Cryar afirmou em um e-mail que, se é difícil evitar frutas e vegetais cultivados a partir desta técnica, “qualquer um pode facilmente evitar o mel, que é feito por abelhas para abelhas, e aproveitar, por outro lado, opções veganas deliciosas como néctar de agave”. O veganismo “não deveria ser sobre aderir a um dogma rígido por si só, senão fazer escolhas que trazem mudanças positivas. Num cenário ideal, o uso de qualquer produto que cause sofrimento animal deveria ser evitado, mas é impossível atingir os 100%”.

O veganismo pode ser a mais filosófica de todas as dietas, graças aos constantes e relativos dilemas morais que ela carrega. Alguns estudos têm questionado se insetos, especialmente abelhas, são capazes de sentir dor. E outros – mesmo de grupos veganos como o Direct Action Everywhere – pontuam que uma dieta vegana dificilmente é “livre de crueldade”, levando em consideração que ela pode envolver a exploração de trabalhadores ilegais ou o envenenamento, via pesticidas, de animais selvagens que vivem perto das fazendas. O veganismo não pode eliminar o sofrimento, mas seus adeptos podem sentir – em nível pessoal – que não estão colaborando com ele. Então os veganos irão desistir de suas saladas de abacate? Os mais radicais talvez. Mas aqueles que não abrem mão de suas batidas têm as bênçãos da PETA – é claro, desde que não a adocem com mel.

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