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Área de soja na região Oeste da Bahia. Produtores criticam fundo da Cargill destinado a fomentar ideias inovadoras para acabar com o desmatamento no Cerrado.
Área de soja na região Oeste da Bahia. Produtores criticam fundo da Cargill destinado a fomentar ideias inovadoras para acabar com o desmatamento no Cerrado.| Foto: Rogério Machado/Gazeta do Povo

A multinacional Cargill publicou na segunda-feira (24) uma carta aberta aos produtores de soja em que afirmou sua posição contrária a chamada “Moratória do Cerrado”, uma proposta aventada por entidades ambientais para que as indústrias ligadas ao setor deixem de comprar soja proveniente de zonas desmatadas. Algo semelhante já ocorre na Amazônia, o que, segundo o Greenpeace, conseguiu restringir a supressão vegetal naquele bioma desde 2006, quando o acordo voluntário foi acertado.

A carta é uma resposta às críticas recebidas dos agricultores depois que a Cargill anunciou a criação de um fundo de US$ 30 milhões para fomentar ideias inovadoras para acabar com o desmatamento no Cerrado. Várias associações ligadas ao agronegócio, entre elas a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) e a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), questionaram a decisão da empresa, alegando que os agricultores já fazem investimentos para proteger o meio ambiente no bioma e que a Cargill estaria ignorando esse fato.

A companhia, no entanto, argumenta que o anúncio da criação do fundo não muda o posicionamento da empresa, que continuará a apoiar os produtores rurais, mas participando também da discussão e transformação setorial por meio do Grupo de Trabalho do Cerrado (GTC).  “Não apoiamos a extensão da moratória para o Cerrado, pois entendemos que este não é o instrumento adequado para solucionar a questão. A moratória não endereça os desafios sociais, econômicos e, em última análise, ambientais, e é muito provável que cause consequências – mesmo que não intencionais – para os agricultores e comunidades que dependem da agricultura para sua subsistência. Pedir que as empresas excluam produtores das suas cadeias não resolve o problema – simplesmente transfere para outras empresas ou atividades”, informou a Cargill.

Neste sentido, a empresa afirma que está chamando os líderes da indústria, clientes, ONGs, startups e outros para se juntarem a ela na busca de soluções de longo prazo. “Ao mesmo tempo, a empresa continua executando medidas de controle para criar uma cadeia produtiva de soja mais sustentável e sua política reafirma o compromisso de proteger as florestas e vegetações nativas, enquanto permite que os produtores prosperem.”

Integrante do Fórum de Commodities Agrícolas (SCF, na sigla em inglês), a empresa e outras gigantes do setor de alimentos, como Bunge e Louis Dreyfus, se comprometeram em monitorar e publicar dados sobre a cadeia produtiva de soja em 25 municípios em que atuam, para identificar os “maiores riscos de conversão de vegetação nativa em áreas de soja”, conforme declaração do SCF. O fórum está sob o guarda-chuva do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD).

Complexo

De acordo com a Cargill, o tema do desmatamento na cadeia produtiva de soja no Brasil é algo complexo e que necessita de uma solução que proteja a vegetação nativa. “Na nossa avaliação em nenhum lugar a questão da prosperidade é mais crítica do que na região do Cerrado brasileiro, por se tratar de uma região altamente povoada e com importantes carências em termos de infraestrutura e desenvolvimento humano. Esta região é fundamental para alimentação do planeta, pois possui grande potencial de crescimento de produção nas próximas décadas.”

Para Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja Brasil, entidade que representa produtores de 16 estados, não há sentido na decisão da Cargill de investir no tal fundo. A associação argumenta que no Cerrado, especialmente na região da fronteira agrícola do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), não havia desenvolvimento antes de a agricultura chegar, há 20 anos. Os municípios, segundo a Aprosoja, viviam em situação de extrema pobreza, sem infraestrutura e sem oferta de bens e serviços à população.

Pereira afirma que a legislação ambiental brasileira é a melhor do mundo, basta respeitá-la para que a proteção ambiental seja eficiente. “Nossa produção é sustentável e o nosso modelo de produção é exemplo para outros países. Essas medidas da Cargill buscam atender a outros interesses comerciais. Isso são os europeus que estão exigindo e que nunca fizeram nada pelo meio ambiente”, critica.

Ele diz que se fosse para criar um fundo, esses recursos deveriam ir para os produtores que seguem a lei e preservam suas áreas florestais por conta própria, até como um incentivo a mais nesse sentido. Pereira alega que não existe risco para o meio ambiente. “O risco é de os próprios brasileiros criarem uma imagem totalmente errônea da nossa produção. Nenhum outro país tem mais de 65% das áreas intactas no mundo, como nós temos. O que precisa é punir aquele agricultor que desmata fora da legislação.”

A próxima investida da Aprosoja e de outras associações do setor é para acabar com a moratória na Amazônia. “Não precisamos disso para produzir. Isso é uma ilusão. Basta respeitar a lei”, sintetiza Pereira. Atualmente, pelo Código Florestal, as propriedades rurais devem obrigatoriamente preservar as matas em 80% de sua área total no bioma Amazônico, 35% da área no bioma do Cerrado Amazônico, 20% no Cerrado e 20% na Mata Atlântica e em outros biomas.

“Se eu tenho uma área de mil hectares no Cerrado, por exemplo, e tenho abertos [cultivados] 200 ha, pela lei eu poderia abrir outros 600 ha. E outra coisa: se eu não trabalhar a terra ela perde a sua função social e poderá ser desapropriada”, argumenta Pereira. A Aprosoja alega que o agronegócio na região do Matopiba ainda gerou milhares de postos de trabalho, direta e indiretamente e manteve a preservação de 73% da área do cerrado da região, já que a agricultura não ocupa nem 7% do território, segundo dados atribuídos à Embrapa.

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