Com a presença de autoridades e especialistas, o fórum da Andef discutiu a guerra de informações travada por ONGs ambientalistas e setor produtivo sobre qual o risco real que pesticidas, fungicidas e herbicidas representam para a saúde humana e o meio ambiente.| Foto: Shodo Yassunaga/Andef/Divulgação

"O Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo e nossos alimentos estão cheios de veneno". Para o agronegócio brasileiro, combater esse tipo de afirmação virou uma bandeira prioritária no combate ao que o setor chama de desinformação, criando um clima de alarmismo não justificado na população sobre os alimentos produzidos no campo. O tema foi o principal assunto dos debates durante a terceira edição do Fórum Internacional Inovação para Sustentabilidade na Agricultura, que ocorreu na quinta-feira (27) em Brasília. Com a presença de autoridades e especialistas, o evento discutiu a guerra de informações travada por ONGs ambientalistas e setor produtivo sobre qual o risco real que pesticidas, fungicidas e herbicidas representam para a saúde humana e o meio ambiente.

CARREGANDO :)

De um lado da trincheira, os ambientalistas acusam o agronegócio e o governo brasileiro de promover uma corrida aos agroquímicos, incentivando a aceleração da liberação de licenças de defensivos em detrimento da segurança alimentar. Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura autorizou o uso de 211 novos produtos, sendo que, a maioria, segundo o ministério, é de rótulos genéricos de fórmulas que já estão no mercado. Ainda assim, o ritmo de liberações é o maior da história da Pasta.

Para representantes da indústria agroquímica, nem de longe os defensivos são os vilões da história. Além de terem assegurado o aumento da produção agrícola no Brasil e no mundo ao longo das últimas décadas, o seu uso, se bem feito e conforme as prescrições, não provoca mal à saúde das pessoas e à natureza. Uma ideia que é também compartilhada pelos acadêmicos. Os praguicidas, categoria de químicos onde se encontram os defensivos agrícolas, possuem estruturas químicas diversas, com múltiplas propriedades, e, portanto, vastas aplicações. Por isso mesmo, devem ser abordados de formas diferentes, com doses e frequências de aplicação bastante distintas, conforme explica a professora de Toxicologia da Universidade de São Paulo (USP) Elizabeth Nascimento.

Publicidade

“Qualquer coisa pode acarretar um dano ao nosso organismo. O que a gente tem que pensar é o quanto isso é seguro e em qual dose é seguro. Por que sempre existe uma dose em que o organismo vai responder negativamente àquele produto”, afirma Elizabeth. Ela explica que não se pode confundir o perigo de uma substância com o risco de uma substância. “Perigo é uma propriedade inerente àquela substância, enquanto o risco é a probabilidade da substância de causar um efeito nocivo”, define.

Ranking

De acordo com o engenheiro agrônomo Caio Carbonari, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Campus Botucatu, o Brasil é sim o que mais compra agroquímicos no mundo em valor total. O país gastou US$ 8,7 bilhões em defensivos, à frente de países como EUA, China e Japão, que completam o ranking de gastos com o insumo. No entanto, esse dado não representa nada, segundo ele, em termos de uso e risco. Se olharmos o consumo em relação à área cultivada, o Brasil cai para a 7ª posição (com gasto total de US$ 111,2 por ha). O Japão, primeiro colocado, desembolsa US$ 455 por ha. Os dados são de 2017 e foram levantados pela consultoria Phillips McDougall para a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

“Outra ideia que se criou é que o Brasil faz uso crescente de defensivos agrícolas. Isso não é verdade. Se olharmos para os números de 2017, em comparação com 2013, o consumo desses produtos caiu 12,5%. E isso não é uma tendência mundial, é um caso particular do Brasil e de alguns poucos países, como a França”, argumenta Carbonari.

Na estatística de uso expressa em quilos por hectare, os números mostram que o Brasil está em 44º lugar no ranking de uso de defensivos – em uma lista de 245 países. Esses dados são de 2016, também da FAO, e apontam a utilização de 4,31 kg/ha pelo Brasil ante 13,06 kg/ha da China e 11,41 kg/ha do Japão, os primeiros colocados. Apesar de os números apontarem essa realidade, para Carbonari existe muita desinformação sobre o tema no mundo inteiro.

Publicidade

O especialista afirma que a agricultura brasileira, no geral, avança pautada pelo uso de tecnologia de ponta, melhoramento genético de plantas, biotecnologia e de insumos agrícolas, entre eles os defensivos, que principalmente evitam as perdas na lavoura fazendo com que as culturas consigam expressar todo o seu potencial.

O país é reconhecido ainda pelas boas práticas, como o plantio direto, que ocupa 32 milhões de hectares. Além disso, o país tem duas safras na maior parte do seu território agrícola e, no caso da cana-de-açúcar hoje existem 8 milhões de ha em que se cultiva o sistema sem queimadas, entre outras práticas de agricultura sustentável. “Também fazemos uso racional dos defensivos agrícolas, mas temos falhado na comunicação. Porque não é isso que chega à população, e sim que é uma agricultura que usa agrotóxicos em demasia”, pontua.

Governo aposta em projeto para mudar legislação

Diante disso, o governo federal iniciou uma ofensiva, juntamente com o setor agrícola, para demonstrar que a produção brasileira é segura e que a legislação que trata do tema precisa ser modernizada. Uma das frentes de combate é trabalhar pela aprovação do PL 6299 que, entre outras coisas, acelera a liberação de novos herbicidas e pesticidas. O projeto, apelidado de “Projeto do Veneno” por ambientalistas e deputados, aguarda para ser votado no Congresso. A expectativa é que isso ocorra até o final do ano.

Em meio à isso, outra batalha pela informação ocorre em paralelo. “Nós temos buscado apoiar o desenvolvimento de informações embasadas, com análises, e disponibilizando-as à imprensa para trazer equilíbrio aos debates sobre o assunto, mostrando as diferentes visões sobre o tema. Mas quando não há informação técnica, as pessoas acabam se pautando pelo que se ouve por aí, ou seja, mitos e distorções”, diz Mário Von Zuben, diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).

Atualmente, existem 32 novas moléculas de defensivos agrícolas aguardando registro no Brasil. Outros países têm processos mais ágeis de aprovação.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Publicidade

Segundo ele, a área de defensivos químicos tem um grande gargalo, que é a burocracia e lentidão para a análise dos agroquímicos. Com isso, a agricultura brasileira, diz, está ficando para trás em relação aos países concorrentes. Atualmente, existem 32 novas moléculas para registro no Brasil que aguardam análise dos órgãos governamentais, quatro delas são muito recentes e ainda não foram aprovadas em nenhum país. Das 28 restantes, 19 já foram autorizadas nos EUA e Canadá, 15 na Argentina e 16 na União Europeia. “Temos um gap tecnológico, apesar de todo o sucesso da nossa agricultura, e isso precisa ser corrigido”, salienta Zuben.

Conforme observa Carbonari, a legislação vigente é anterior às inovações tecnológicas das últimas duas décadas e carece de modernização. Mas a lei tem sido efetiva, segundo ele, para garantir a segurança alimentar, mas é lenta em dar agilidade à incorporação de novas tecnologias em defensivos. “Não faz sentido represar isso, pois os novos defensivos em geral são mais seguros dos que estão hoje no mercado. Quando pegamos que o índice médio de segurança dos produtos que aguardam aprovação eles têm um índice 15% menor de risco para o consumidor”, compara. Além disso, as tecnologias mais modernas demandam menos doses de aplicação.

Na opinião de Zuben, o que se busca atualmente é um projeto de lei que seja rigoroso do ponto de vista científico da segurança alimentar, mas que traga uma certa previsibilidade e agilidade do ponto de vista da tomada de decisão, que em outros países demora no máximo 2 anos.

Críticas

Uma das críticas dos opositores às mudanças na legislação é que no texto original do PL o papel do Ibama (meio ambiente) e da Anvisa (saúde) sobre a análise de novos produtos ficava dúbio, com esses órgãos a princípio perdendo poder de decisão frente ao Ministério da Agricultura. Mas o texto acabou sendo alterado, conforme explica Zuben, garantindo o papel importante de cada uma das instituições.

Publicidade

Entre as propostas que constam do projeto de lei está a criação de um sistema informatizado e unificado para melhorar o trânsito de informações entre Mapa, Ibama (responsável pela análise de impacto das novas fórmulas para o meio ambiente) e Anvisa (que avalia os riscos à saúde humana). Outro item é a implantação de um prazo de 24 meses para a autorização de novos produtos. Atualmente, segundo Zuben, o prazo é de 120 dias para a tomada de decisão por parte dos órgãos competentes, mas por falta de pessoal e excesso de burocracia, na prática, a liberação demora anos.

Outro mecanismo do PL, esse mais polêmico, é o chamado registro temporário, que prevê que se uma fórmula for submetida à aprovação e o prazo de 24 meses exceder sem ter havido uma decisão, o registro temporário passa a valer automaticamente até que as instâncias regulatórias avaliem em definitivo o novo produto. No entanto, a fórmula precisa ter sido aprovada em ao menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, de acordo com Zuben, possui bons sistemas regulatórios baseados em ciência. “É mais um mecanismo para dar agilidade aos processos, mas que mantém a responsabilidade sem abrir mão da segurança”, observa.

De acordo com o executivo da Andef, é importante que a população saiba que as regras de fiscalização sanitária dos agroquímicos não será afrouxada. Mas é preciso acelerar os novos registros de pesticidas e herbicidas, que são mais eficientes e deixariam o Brasil em pé de igualdade com os concorrentes do mundo todo.

*O jornalista viajou a convite da organização do evento.