No final dos anos 60, os críticos das florestas plantadas no País cunharam a expressão “deserto verde” para se referir às enormes plantações de eucalipto e pinus destinadas à produção de madeira e celulose. Dentre os males atribuídos às espécies exóticas, estariam a desertificação, a erosão, a eliminação da biodiversidade e a expulsão de comunidades tradicionais.
Olhando pelo retrovisor, parece difícil acreditar que atualmente 6 milhões de hectares, ou quase metade das áreas do setor agroflorestal (plantadas e nativas), têm certificação de sustentabilidade social e ambiental atestada, inclusive, por muitas das ONGs que um dia pregaram o discurso apocalíptico do deserto verde. O que, afinal, mudou de lá pra cá?
“Nosso setor, há 50 anos, pode ter assustado as pessoas com suas espécies homogêneas, as chamadas espécies exóticas, como se aquilo fosse um risco ecológico. Mas, ao longo do tempo, acabamos nos tornando um vetor de preservação e de garantia da sobrevivência da biodiversidade”, relata o diplomata José Carlos da Fonseca, diretor-executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá).
Diálogo, parcerias e desconstrução de mitos
O caminho para elevar a agroindústria florestal brasileira ao nível hoje reconhecido de benchmark mundial exigiu a abertura de diálogo das empresas com as comunidades, desconstrução de mitos, inovações tecnológicas, adaptações e implantação de novas técnicas de manejo dos cultivos.
O discurso do deserto verde não se susteve, em grande parte, devido a um arranjo tipicamente tropical, e com DNA brasileiro, que estabeleceu relação de simbiose entre maciços de florestas plantadas e de mata nativa. Os mosaicos florestais, assim chamados devido às formas geométricas de tons verdes desenhadas no relevo, viraram um case de sucesso internacional de produção e preservação.
Em nenhum outro país existe essa forma de manejo sustentável, com florestas mescladas e interligadas por corredores ecológicos, em escalas quilométricas. São 9,55 milhões de hectares com árvores cultivadas, entrecortadas por 6 milhões de hectares de conservação. Juntos, esses maciços estocam 4,5 bilhões de toneladas de carbono, o que corresponde a três vezes o total de emissões brasileiras em um ano.
“Havia a ideia equivocada, e a ciência depois comprovou isso, que ao desenvolver florestas cultivadas em largas extensões territoriais, isso secaria o solo, que se tornaria um deserto verde. Hoje temos uma série relativamente longa de marcadores, computados com apoio de empresas especializadas e nossas associadas, que mostram que conseguimos de fato reduzir o uso dos recursos hídricos, tanto nas florestas como na parte fabril”, diz Fonseca.
Desde a década de 1970, o setor de celulose e papel conseguiu diminuir em 75% o uso de água em seus processos. A Klabin, por exemplo, está na "A List" da CDP Water, que avalia o desempenho das empresas na gestão dos recursos hídricos. A empresa adotou o Manejo Florestal Hidrossolidário, que busca manter o equilíbrio entre a produção florestal e a disponibilidade de água para comunidades vizinhas, pequenas propriedades rurais e processos ecológicos. Já na etapa de planejamento florestal se leva em consideração as microbacias hidrográficas e os pontos de captação de água dos vizinhos.
Para cada 10 hectares plantados, 7 de mata nativa
Antes mesmo da exigência do Código Florestal, o setor de árvores plantadas já permeava suas áreas com matas nativas. A média nacional é de quase 0,7 de preservação para cada 1,0 de produção. No Paraná, essa relação chega a 1 para 1, entre as empresas de base florestal. “Você intermeia os plantios com mata nativa, para quebrar o risco de uma praga se propagar e matar toda a plantação. Se ocorre num determinado setor, num núcleo de árvores, tem a reserva nativa que evita que se propague para a área seguinte”, relata Carlos Roxo, ex-diretor de sustentabilidade da Fibria, hoje Suzano, uma das maiores empresas do ramo no país. O cultivo de diferentes clones de eucalipto segue a mesma lógica, de criar uma blindagem contra pragas.
Ainda em relação ao manejo, no início, lembra o diretor-geral da Embrapa Florestas, Erich Schaitza, usavam-se espaçamentos excessivamente densos, com pouca passagem de luz dentro da floresta. “Hoje é mais aberto, você maneja sub-bosques, aceiros e todo mundo entende a importância de ter uma interação mais forte com a fauna. O pesquisador Peter Crawshar já demonstrou que essas áreas sombreadas têm toda uma cadeia alimentar, e que inclusive viraram habitat de onças e mais de mil espécies de animais; está tudo bem documentado em literatura”, sublinha Schaitza.
O reconhecimento dessa diversidade faz com que hoje, na hora da colheita da madeira, o maquinário trabalhe sempre no sentido das reservas naturais, afugentando propositalmente os animais para esses refúgios. Outra tendência é evitar os cortes rasos em grandes extensões, e fazer a extração da madeira de forma gradual em parcelas menores, diminuindo o impacto sobre a fauna e a flora.
Estudo mostra papel do eucalipto para recuperação de áreas
Um dos estudos mais recentes que comprovam o enriquecimento da biodiversidade num ambiente consorciado com florestas plantadas foi realizado pelo pesquisador Carlos Cesar Ronquim, da Embrapa Territorial, e publicado em dezembro do ano passado. Ronquim demonstrou que a regeneração de terras degradadas ganha impulso quando há introdução de espécies florestais exóticas de rápido crescimento, principalmente o eucalipto.
Sob a copa dessas árvores plantadas, “as condições do sub-bosque tornam-se mais favoráveis à germinação e ao desenvolvimento de plântulas de espécies florestais nativas em comparação às áreas abertas, uma vez que: criam condições mais adequadas de umidade, fertilidade e estrutura do solo; reduzem a evaporação, devido ao sombreamento que proporcionam; reduzem o histórico de incidência de fogo; ampliam a capacidade de infiltração da água no solo; amenizam as condições microclimáticas; proporcionam melhor habitat para dispersores de sementes; e, principalmente, promovem o sombreamento que elimina ou diminui a competição de gramíneas exóticas invasoras com as plântulas emergentes, culminando, assim, na recolonização do sub-bosque por espécies arbóreas e arbustivas nativas”.
Dessa forma, o eucalipto virou um aliado para contornar os altos custos da restauração florestal, podendo custear uma parte ou a totalidade da operação e, até mesmo, gerar lucro onde antes havia apenas despesas para recuperar áreas degradadas.
Selo FSC ajudou a combater mitos com soluções conjuntas
Um marco da modernização do setor florestal brasileiro ocorreu no início dos anos 90, após a Rio-92, com a criação do sistema de certificação tripartite do Conselho de Manejo Florestal (FSC, do inglês Forest Stewardship Council), que hoje está presente em mais de 70 países.
“A coisa antes era uma guerra de trincheira. ONGs sociais e ambientais, e empresas, cada uma de um lado, atirando. Todos os setores eram fechados em si mesmos, não havia diálogo. A coisa começou a mudar quando todo mundo foi para a mesma sala discutir o que é melhor, econômica, ambiental e socialmente”, conta Carlos Roxo.
Quem antes estava entrincheirado foi chamado a buscar soluções nas câmaras técnicas do FSC, um selo de garantia de origem encontrado em subprodutos da floresta plantada, seja uma caixinha de leite UHT, uma sacola de compras, um móvel ou objeto de decoração.
Câmaras técnicas do FSC constroem normas no voto
Todos os regramentos do selo FSC têm que ser aprovados por três câmaras – ambiental, social e econômica. Na prática, não adianta ambientalistas, ONGs e sindicatos aprovarem uma mudança na câmara ambiental ou social se não conseguirem convencer ou negociar com a câmara econômica, cuja maioria é composta por empresas e organizações que buscam o lucro. E vice-versa.
“A gente sabe que os interesses não são pretos e brancos, existe um mix. Essa é a beleza e o desafio da governança do FSC, não basta você ter muito certo aquele conceito, aquele objetivo, se não conseguir demonstrar para os outros por que seu ponto de vista é o melhor. Ninguém consegue puxar tanto para o seu lado, todo mundo precisa ter jogo de cintura para conversar e engajar a outra parte a entender seu posicionamento”, diz Daniela Vilela, diretora-executiva do FSC Brasil.
“A gente precisa entender que existem pessoas que são intrinsecamente contra o eucalipto, que não gostam do pinus, enfim, que são contra o setor porque são contra. Isso, dificilmente se consegue alterar. E a gente tem um setor florestal extremamente engajado, com muita responsabilidade ambiental e social. Não quer dizer que o setor é perfeito, mas, principalmente as empresas de porte médio e grande, elas já são vitrine, são olhadas como referencial de boas práticas inclusive para outras culturas do setor agrícola”, salienta.
Mais de um milhão de árvores plantadas por dia
Atualmente, o setor florestal brasileiro planta mais de um milhão de árvores por dia, tem a maior produtividade média global (35 m3 por hectare/ano), recupera áreas degradadas e cursos d’água e preserva mais de 8.300 espécies de flora e fauna em suas florestas cultivadas e nativas. O setor, que produz 77,4% da energia que consome (90% renovável), gera receita de R$ 116 bilhões por ano. Depois dos setores petrolífero e de saneamento, é o que tem os maiores investimentos anunciados ou em andamento: R$ 58,8 bilhões até 2028. Dá emprego direto e indireto a 1,4 milhão de pessoas e integra 1,6 milhão de produtores em seus programas de fomento.
“O IDH dos mil municípios em que estamos presentes, quando comparados aos vizinhos, é outra realidade. É impacto na veia. A costa leste do Mato Grosso do Sul, por exemplo, que era um bolsão de pobreza no país, hoje precisa importar mão de obra. É uma das ilhas de progresso no Brasil que hoje têm pleno emprego verdadeiro”, destaca o diplomata José Carlos da Fonseca, apontando os empreendimentos realizados por Suzano, Sylvamo (antiga IP), Eldorado e Arauco, entre outras indústrias.
Em vez de produzir desertos verdes, as florestas plantadas têm efeito exatamente contrário. “Poucas atividades reduzem tanta pressão por desmatamento como a nossa. Temos uma organização do uso da terra com 9,5 milhões de hectares de florestas plantadas e 6 milhões de hectares de matas nativas que preservamos. Sem o nosso setor, poderíamos estar passando por anarquia e falta de governança que levaram à destruição da Mata Atlântica. Temos convicção do papel importante, até civilizatório, na manutenção de nossas riquezas naturais”, sublinha Fonseca.
Clones brasileiros de eucalipto multiplicam produtividade
Espécie arbórea comercial mais cultivada no país (78%), o eucalipto é prova da capacidade da indústria agroflorestal de se expandir, sem precisar necessariamente ocupar mais terras. Após processos contínuos de cruzamentos e seleções de clones, o eucalipto brasileiro hoje está pronto para colheita com 6 a 7 anos, enquanto as espécies mais comuns na Austrália, de onde veio, chegam à idade madura para corte apenas com 17 anos do plantio. Na Europa, devido ao clima mais frio, as espécies madeireiras podem ter um ciclo de plantio e corte de até 80 anos, como acontece nos países escandinavos, enquanto no Brasil esse ciclo fica entre 7 e 28 anos.
O engenheiro florestal Zaid Ahmad Nasser, presidente da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal, observa que alguns equívocos de percepção da opinião pública ainda prejudicam a atividade. “Quantas vezes não ouvimos a frase ‘Não imprima – respeite o meio ambiente e salve árvores’, ou, ainda, “Duas folhas de papel são suficientes para secar as mãos – as árvores agradecem”. Na verdade, não é bem assim, porque o papel vem de árvores plantadas para esse fim", argumenta Nasser.
Não quer dizer que as pessoas devam deixar de economizar, mas a justificativa precisar ser ajustada. "Não devemos utilizar desnecessariamente o papel para diminuir o consumo de água, da energia utilizada para a impressão, de combustíveis fósseis, compostos químicos, custos de escritório, etc. Nossa mensagem é que precisamos, sim, pensar cada vez mais no meio ambiente e de que forma nossas ações impactam a natureza. Mas não podemos deixar continuar o mito, por exemplo, de que a produção de papel está ligada ao desmatamento ilegal”.
A chave para combater esses equívocos passa necessariamente por uma maior informação do consumidor sobre os produtos que está comprando. "Quando as pessoas veem um caminhão de madeira, automaticamente já pensam: é desmatamento, é ilegal. Ainda existe muito problema, mas dar reconhecimento e visibilidade para quem está fazendo correto é tão importante como combater quem está fazendo errado”, enfatiza Daniela Vilela, do FSC Brasil.
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