No início desta semana, produtores rurais verificam condição de lavoura de milho safrinha em Arapongas (PR)| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

Até onde os agricultores brasileiros podem aumentar sua capacidade produtiva? Como conseguiram em tão pouco espaço de tempo produzir tanto milho? E se a guerra comercial entre EUA e China continuar, será que o Brasil não acabará tendo de importar soja para atender suas próprias necessidades?

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As três perguntas acima foram disparadas em sequência por produtores e analistas americanos após palestra de Thomé Guth, gerente de produtos agropecuários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) durante o 95º Agricultural Outlook Forum, promovido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em Arlington, na Virginia.

“Disse aos americanos que nossa agricultura pode crescer de 10 a 12% nos próximos quatro anos, que é mais ou menos para onde apontam as projeções do Ministério da Agricultura. No entanto, se a gente conseguir desenvolver ainda mais o Arco Norte e também o sistema de transporte de grãos, e se dermos competitividade ao produtor, com certeza nossa produção vai disparar, porque ficaremos mais competitivos. Daí 10% é até pouco”, destaca Thomé.

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Thomé Guth, da Conab: produção brasileira pode disparar se houver avanços na infraestrutura 

O analista observa que obras do sistema multimodal de transporte no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do País envolvem questões ambientais e de segurança jurídica que ainda não foram plenamente resolvidas. São investimentos rodoviários, como a conclusão da BR 163, ferroviários e portuários que poderiam deixar a produção brasileira mais competitiva em relação à Argentina e aos Estados Unidos. “Em termos de produção, crescer 10% para soja e milho em quatro ou cinco anos não é muita coisa. Vai depender de resolver a questão de infraestrutura. Se isso acontecer, com certeza vamos disparar”.

Os americanos têm razão para se espantarem com a progressão da safra brasileira de milho. No ciclo 2004/5, a produção foi de 35 milhões de toneladas para uma área plantada de 12 milhões de hectares; em 2018/19 espera-se colher quase o triplo daquele volume, ou 91,6 milhões de toneladas, numa área de 16,8 milhões de hectares (acréscimo de 40%).

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“O milho safrinha começou principalmente por uma questão agronômica, de melhoria de solo e aproveitamento dos fertilizantes. Mas chegou um dado momento em que o preço da soja estava tão mais competitivo, que os produtores da região Centro-Oeste apostaram na alternativa de concentrar a produção de milho na segunda safra. E junto veio a tecnologia. As multinacionais de produção de sementes observaram a tendência e começaram a trabalhar com um milho adaptado para a região, mais precoce e que responde à fertilização bem feita. E encurtou-se o ciclo da soja, o que permitiu aumentar o milho safrinha”, resume Guth. Ele observa que toda a pressão que se vê para instalação de infraestrutura no Arco Norte, nos últimos dez anos, “apareceu pela necessidade de escoar o milho safrinha”.

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Cerrado

Nos bastidores do evento do USDA em Arlington, circulava a informação de que seis gigantes do agro (Cargill, ADM, Bunge, Cofco e Glencore) tinham se comprometido a limitar a compra de grãos produzidos em novas áreas implantadas no Cerrado brasileiro. Na verdade, o que houve, foi um compromisso de apoiar a exploração sustentável nesse bioma, divulgando a cada seis meses a percentagem de soja com origem no Cerrado. Não houve, contudo, por parte das empresas, um compromisso declarado de preservação.

Colheita de soja em Baixa Grande do Ribeira, no Piauí 

Seja como for, a expansão da produção de milho no Brasil independe da incorporação de novas áreas do Cerrado. Atualmente, o País utiliza apenas 32% da área de soja, cultivada no verão, para produzir milho safrinha, no inverno. “Já houve ano em que chegamos a quase 40% da área de soja plantada com segunda safra de milho. O que limitou foi o mercado, porque o preço estava mais baixo, e aí o pessoal diminuiu o cultivo, principalmente no Paraná. Mas existem outras regiões que estão começando a enxergar a safrinha. Áreas no Maranhão e no Piauí, que tradicionalmente são de milho de primeira safra, agora já começam a fazer segunda safra. O mesmo acontece em São Paulo, que começa a ter alguma coisa de milho no inverno. Chegar até 50% de milho safrinha em relação à área de soja não é impossível”, destaca o analista.

Em relação à terceira pergunta dos americanos – se o Brasil não terá de importar soja dos próprios EUA, após exportar tudo para a China – Thomé apontou que tudo é uma questão de mercado. “Se pagar melhor, o produtor prefere exportar a negociar com suinocultores, por exemplo. E os nossos estoques estão muito apertados, temos uma demanda muito alta no Brasil de farelo de soja e biodiesel. No ano passado, houve um momento em que a China estava pagando ao Brasil dois dólares a mais por bushel em relação às cotações da Bolsa de Chicago. Se isso permanecer, a gente não vai ter estoque para esmagar. Sim, talvez o Brasil seja um novo mercado para os EUA neste ano”, conclui.