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A decisão do governo de reforçar em R$ 350 milhões o orçamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para ampliar os estoques reguladores de grãos não deve ajudar a conter a alta nos preços.
Em meio à queda na popularidade enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a iniciativa faz parte de um pacote de ações para controlar a inflação dos alimentos. Outra medida já em vigor foi a isenção do imposto de importação sobre nove produtos, também considerada ineficaz por analistas do mercado.
Para José Carlos Hausknecht, sócio-diretor da MB Agro Consultoria, além de o valor destinado ao reforço dos estoques ser baixo, o efeito da medida neste momento seria o contrário do desejado pelo governo. Ou seja, os preços podem subir.
“Primeiro que R$ 350 milhões não faz nem cócegas na necessidade que se tem para fazer estoque”, diz. “Fazendo um cálculo por cima, isso dá para comprar pouco mais de 200 mil toneladas de milho, enquanto o consumo interno do país está entre 80 milhões e 90 milhões de toneladas por ano. Isso se fosse só milho, mas também estão querendo fazer estoque de arroz e feijão.”
O maior problema, no entanto, é o contexto em que a medida é anunciada. A política de estoques reguladores, em tese, prevê a compra de commodities em momentos em que a oferta é alta e as cotações estão em baixa, de modo a elevar os preços e garantir maior rentabilidade do produtor, estimulando a produção.
Nos momentos de alta de preços, a venda de parte dos estoques ajudaria a baixar os preços dos alimentos para o consumidor final e de derivados, como a ração animal voltada à pecuária.
“Comprar agora, quando preços como o do milho estão altos, vai elevar ainda mais a inflação. Não faria sentido, no meu ponto de vista”, diz o consultor. Mesmo no caso do arroz e do feijão, que estão com preços mais baixos, a tendência é que a formação de estoques leve a uma alta de preços no curto prazo.
Embora o presidente da Conab, Edegar Pretto, tenha afirmado que não fará formação de estoques em momentos de alta, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) estaria preparando uma proposta para permitir a compra de produtos agrícolas para a regulação de preços acima do preço mínimo, segundo reportagem do jornal “O Globo”.
Atualmente, segundo a Lei de Política Agrícola, a Conab só pode adquirir grãos com cotação abaixo do preço mínimo, patamar definido antes do início da safra seguinte e baseado nos custos de produção e nas cotações dos mercados interno e externo.
Para o MDA, isso seria um entrave para a efetividade da política de fortalecimento de estoques reguladores. O percentual acima do piso que será permitido estaria em discussão no ministério, com a possibilidade de uma margem até 30% superior.
As medidas ocorrem em um momento de preocupação crescente com a inflação dos alimentos. A política de estoques reguladores foi muito usada no passado, mas caiu em desuso nos últimos anos, até ser praticamente encerrada no governo de Jair Bolsonaro (PL).
A retomada da estratégia foi uma das promessas de campanha do presidente Lula em 2022, apesar de críticas de especialistas no setor.