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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva.| Foto: EFE/André Borges

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a dizer nesta semana que o governo vai recriar a política de preços mínimos e compras governamentais de produtos agropecuários. No discurso durante o lançamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), o presidente invocou a necessidade da mão forte do Estado para situações de supersafra em que “às vezes, o companheiro não consegue sequer retirar o dinheiro que investiu”.

Em vez de ferramentas como o seguro rural, Lula tem defendido reiteradamente compras governamentais para assegurar que os companheiros dos assentamentos do MST, por exemplo, recebam um preço diferenciado dos valores do mercado.

”A gente vai garantir que se as pessoas produzirem não vão perder, porque se produzirem em excesso, o governo vai comprar esse alimento para que a gente distribua aonde precisa ser distribuído. E também a gente vai voltar com a política de preço mínimo para garantir que as pessoas que plantam não tenham prejuízo se houver uma supersafra. Por que no Brasil é assim. Às vezes todo mundo planta, a colheita é muito grande, o preço cai. E às vezes o companheiro não consegue sequer retirar o dinheiro que investiu”, afirmou Lula.

Na mesma linha de pensamento, o presidente, quando ainda era candidato, já havia defendido a volta dos estoques reguladores da Conab: “Você pode fazer estoque e, fazendo estoque, controlar o preço. Vai colocar mais produto no mercado quando o preço estiver alto”.

Programas de compras governamentais para incentivar a agricultura familiar atendendo necessidades dos órgãos públicos, caso da merenda escolar, são uma prática adotada país afora, sem maior repercussão na lei da oferta e procura. No entanto, abrir as torneiras do Tesouro para perpetuar a dependência estatal de assentados e pequenos produtores é uma história diferente.

Estratagema para repassar recursos ao MST?

O ex-deputado federal e ex-presidente do Incra, Xico Graziano, vem alertando para a necessidade de vigilância sobre esse gasto público.

“Preços mínimos são inaceitáveis frente à OMC, dentro dos acordos de livre comércio estabelecidos. Eventualmente podem ser utilizados para compras internas, em programas específicos, sem influência no mercado. Normalmente eles premiam a ineficiência econômica ou, nesse caso, agronômica, devido à baixa produtividade pelo uso deficiente de tecnologia. Os socialistas, ou intervencionistas, adoram utilizar para fazer suas traquinagens, sempre falando em nome de argumentos altruístas”, afirma Graziano.

Professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ele alerta que “provavelmente o PT vai utilizar esse artifício para, via Conab, repassar dinheiro público do povo para o MST e seus comparsas. E vai dizer que está defendendo a agricultura familiar”.

As declarações de Lula brigam também com lições ensinadas, a muito custo, pelo histórico econômico recente da agropecuária brasileira. Antes de se tornar potência global das commodities agrícolas, até os anos 1970 o país era importador líquido de alimentos. O economista José Pio Martins, que foi reitor da Universidade Positivo e já dirigiu uma cooperativa em Londrina (PR), observa que a imposição de preços mínimos, e mesmo o monopólio das compras governamentais, foi a regra por décadas, em várias culturas agrícolas.

“Todo mundo tinha que vender o café para o governo. O Instituto Brasileiro do Café (IBC) era um órgão estatal, com uma estrutura física imensa, cheio de armazéns, funcionários e burocratas”, recorda.

Assim como o IBC para o café, existiu o Cetrin para o trigo, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), e, por fim, a Cobal/Conab para os mais diversos alimentos, como soja, feijão, milho, arroz. Mas a prática chegou um ponto de insustentabilidade nos anos 1990.

Durante décadas, governo obrigou produtores a vender suas safras para órgãos estatais
Durante décadas, governo obrigou produtores a vender suas safras para órgãos estatais| Pixabay

Gigantismo da Conab e toneladas de grãos estragados

“Imagina a Conab administrando 13 mil armazéns. Foi a maior tragédia. Era uma vergonha. Feijão, soja, milho, são produtos que têm fungo, que podem perecer muito rapidamente. O Brasil começou a perder milhões de toneladas, porque a Conab não conseguia operar seus armazéns. Virou um escândalo nacional no governo Collor”, relata Martins.

Nos anos seguintes, a Conab passou a fazer intervenções “hands-free” no mercado, sem operar com estoques físicos. Se faltasse milho no Nordeste, por exemplo, e estivesse sobrando no Mato Grosso, a companhia oferecia um prêmio (subsídio ao frete) para que esse produto chegasse ao suinocultor ou avicultor daquela região.

Com os avanços tecnológicos da agricultura brasileira, cada vez mais competitiva globalmente, a companhia passou a atuar mais focada no levantamento de safras e de estatísticas para subsídio às políticas públicas, mantendo, também, a operação de compras governamentais de apoio à agricultura familiar.

Pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), é redundante, mas necessário dizer, a Conab só pode formar estoques quando os preços de mercado estão abaixo dos mínimos. Uma operação desnecessária no contexto das cotações das commodities agrícolas dos últimos anos.

“O governo não tem o que comprar, não tem o que formar de estoque. Por que se ele entrar comprando, vai aquecer ainda mais os preços de mercado. Então, não faz sentido”, disse recentemente à Gazeta do Povo Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

No passado, conta movimento do BC garantia dinheiro de "saco sem fundo"

Para o economista Pio Martins, a política de preços mínimos em larga escala só existiu porque, por décadas, até meados dos anos 1980, o governo tinha uma “conta movimento” em nome do Tesouro Nacional que permitia emitir dinheiro sem qualquer lastro.

“O Banco do Brasil, e depois o Banco Central, pagavam tudo que o governo gastava, todas as bobagens que fazia, todos os déficits. Quando explodiu a hiperinflação em 1985, com Dilson Funaro e Sarney, eles concluíram que aquela conta movimento era a maior responsável pela fabricação de dinheiro – e dinheiro em economia é qualquer coisa que serve como meio de pagamento. E aí disseram: não pode mais ter isso. Por que essa política de preço mínimo, de garantir 13 mil armazéns da Conab com produtos agrícolas que o governo comprou, só funcionava quando havia liberdade completa para o governo emitir dinheiro”, explica.

Na realidade atual, para tornar os pequenos produtores autossuficientes, seria mais produtivo centrar esforços, e investimentos, em profissionalizar a gestão das propriedades. Na avaliação do consultor da Markestrat José Carlos de Lima Júnior, ferramentas como o seguro rural, que cresceu muito nos últimos anos, ainda são utilizadas por uma parcela reduzida de produtores.

“Nesse momento deveríamos profissionalizar a gestão, e não ficar criando meios para que o produtor simplesmente não se preocupe em ver outros mecanismos à sua disposição”, sublinha.

Economista José Pio Martins
Economista José Pio Martins| Agência FIEP-PR

Política de compra mantém produtor dependente do governo

O problema, também, pode estar em conceitos ideológicos equivocados. “A economia é como o motor de um carro. Ela é mecânica. O motor do carro tem uma lógica sem a qual ele não funciona. Não tem carro de esquerda ou carro de direita. É um pouco isso”, destaca Pio Martins.

“Em vez de trabalharem para tornar o produtor pouco alfabetizado independente, eles querem torná-lo dependente do governo, de uma política pública da proteção estatal. Dependente que o governo compre a produção. É uma política para eternizar a dependência", lamenta.

Muita coisa, contudo, deve permanecer no campo da retórica. A avaliação é de que nem mesmo Lula espera que levem a sério tudo o que diz, como o suposto retorno dos estoques reguladores. “É aquela história do ‘ouvi cantar o galo, mas não sei onde’. Estão cantando o galo por aí, mas na hora do vamos ver, é difícil”, diz uma fonte que já atuou no Ministério da Agricultura.

O economista Pio Martins, por sua vez, é direto: “Em Licença para Matar [filme], tinha uma frase de que todo mundo que matar alguém é criminoso, você mete um processo. Menos o James Bond. Pois o Lula "tem licença para matar". Ele fala o que ele quer. Ninguém cobra coerência, inteligência, nível intelectual de qualquer locução do Lula. Ele vai falando, vai criando esses factoides”.

O perigo, alerta, é de que “como o governo é louco o suficiente”, pode ser que um factoide desses vire realidade. E numa escala prejudicial ao país. Como já aconteceu.

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