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Abelhas mortas em Campo Novo, no Rio Grande do Sul.
Abelhas mortas em Campo Novo, no Rio Grande do Sul.| Foto: Reprodução/G1

Depois de sete meses marcados pela liberação recorde de 290 agrotóxicos no Brasil, a atenção se volta para outras instâncias que podem afetar o cultivo da próxima safra de verão. Com o retorno das atividades do Supremo Tribunal Federal (STF), é aguardado o julgamento de uma liminar que questiona as liberações desses produtos. No começo de julho, o Partido Verde (PV) ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 599 questionando os atos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O processo foi distribuído ao ministro Marco Aurélio.

Também podem ocorrer desdobramentos após uma reunião no dia 8 de agosto em Porto Alegre, com a participação de produtores e apicultores gaúchos e intermediação do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, que investiga as causas da morte de cerca de 500 milhões de abelhas entre outubro de 2018 e março de 2019. Laudo do Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) daquele estado encontrou restos de agrotóxicos nos insetos mortos.

O Ministério Público Federal gaúcho também está avaliando o caso. Há um procedimento extrajudicial em tramitação na Procuradoria da República em Santa Maria, autuado em 10 de junho, com o intuito de identificar as causas do dano ambiental e responsabilizar os causadores. Não há prazo nem garantia de que haverá um inquérito. Representantes dos apicultores, porém, esperam alguma medida concreta. “Ainda não há medida concreta para a próxima safra de soja”, diz o advogado José Renato de Oliveira Barcelos, que coordena a Articulação pela Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade (ApisBio).

A soja é a principal lavoura brasileira e a que mais usa agrotóxicos em larga escala. Conforme o laudo da Lanagro, foram encontrados cinco tipos do produto nas abelhas mortas, inclusive o fipronil, bastante usado na cultura da oleaginosa. Na representação encaminhada às promotorias, a ApisBio relata que uma aplicação aérea de agrotóxico no dia 12 de outubro parece ter relação com a mortandade das abelhas registrada inicialmente no município de Mata, na região central do Rio Grande do Sul. No mesmo dia, o hospital local também atendeu pacientes com sintomas de contaminação por agentes químicos. A aplicação aérea do fipronil é proibida desde 2012 conforme portaria do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Segundo Barcelos, não há registro de casos novos pois não está havendo aplicação de nenhum produto nas lavouras. “Já pedimos ao Ministério Púbico Estadual e Federal que atuem conjuntamente para atacar o problema, que tem complexidade elevada e precisa ser pensada de forma estratégica. O prazo está apertado, porque o preparo do solo para o plantio começa em agosto, e a partir daí é usado o agrotóxico”, conta. A preocupação é grande, diz Barcelos, porque as abelhas são indicadores biológicos. “Elas são um termômetro da natureza. Sem abelhas, 75% das culturas são afetadas, principalmente a fruticultura”, relata.

Empresas

Os próprios fabricantes de agrotóxicos sabem do risco que o produto causa à abelha, e de como ela é fundamental para a produção no campo. Tanto é que o Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) está por trás do projeto Colmeia Viva, que tem por objetivo promover o diálogo entre agricultores e apicultores para impedir contaminações.

“A missão do movimento Colmeia Viva é promover o uso correto de defensivos agrícolas na agricultura brasileira para proteger os cultivos e contribuir na garantia do direito básico de alimentação das pessoas, respeitando a apicultura, protegendo as abelhas e o meio ambiente. Afinal, o uso incorreto de defensivos agrícolas deve ser combatido porque configura um risco não só às abelhas, mas à segurança das pessoas e do meio ambiente”, diz nota enviada pela assessoria de imprensa do projeto.

O movimento reconhece o problema da mortandade dos insetos no Rio Grande do Sul, mas destaca que ele ocorre quando não há a devida formalização de apiários ou pasto apícola (área de forrageamento da abelha em busca de alimento, principalmente em flores) nos órgãos reguladores. A Colmeia Viva diz ainda que o Brasil não padece da Síndrome do Desaparecimento de Abelhas (CCD), com registro na Europa e nos Estados Unidos em 2008, mas que desde então o Ibama tem sido bastante cauteloso. Nesse sentido, está reavaliando o impacto dos agrotóxicos com princípio ativo neonicotinoides – entre eles o fipronil localizado nas abelhas mortas nos apiários gaúchos –, reconhecido como danoso às abelhas.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou em 24 de julho que um decreto a ser editado em breve pretende aumentar a assistência técnica dada aos pequenos produtores para a aplicação de agrotóxicos.

Contraponto

Barcelos, da ApisBio, critica a tentativa de jogar para o agricultor a responsabilidade pela contaminação. “Os discursos dizem que é porque ele aplica mal, mas a contaminação existe porque existe o agrotóxico. Talvez os pequenos agricultores tenham menos condições, mas é o modelo agroquímico que precisa ser alterado. Para economizar diesel, para facilitar a aplicação, o agricultor mistura o fipronil, mistura o glifosato que combate a erva daninha e aplica tudo de uma vez. Mas essa calda, esse coquetel, provoca uma reação que nem sabemos qual é o efeito no aplicador ou para quem vai consumir”, afirma.

Trator pulverizando lavoura de soja em Sapezal (MT). Cultura da oleaginosa é que mais utiliza agrotóxicos em larga escala.
Trator pulverizando lavoura de soja em Sapezal (MT). Cultura da oleaginosa é que mais utiliza agrotóxicos em larga escala.| Albari Rosa/Gazeta do Povo

Vinhedo de Galvão Bueno foi contaminado por herbicida

Vinhedos, pomares e oliveiras nas regiões da Campanha gaúcha foram contaminados por agrotóxico usado na soja. Segundo reportagem do Zero Hora de dezembro de 2018, a desconfiança existia há alguns anos, mas desta vez buscou-se a comprovação do fato. A Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul analisou 53 amostras, das quais 52 tiveram laudos positivos para contaminação pelo princípio ativo 2,4-D. O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público daquele estado.

Mas a Secretaria da Agricultura gaúcha já agiu, criando novas restrições para a aplicação do produto, de forma a evitar a deriva - isto é, o atingimento de culturas que não eram alvo. Duas instruções normativas publicadas no começo de julho estabelecem novas regras, como o cadastro dos aplicadores e o termo de conhecimento de risco e responsabilidade, pelo qual o produtor rural deve assinar a receita agronômica, ficando ciente de que os produtos agrotóxicos hormonais, entre eles o 2,4-D, causam grandes prejuízos para culturas sensíveis.

Em maio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia determinado restrições no uso do mesmo produto. A medida veio após reavaliação do ingrediente ativo do agrotóxico. Segundo a agência, foram analisados resíduos do 2,4-D em alimentos e na água. Mesmo considerando os níveis máximos de resíduos de 2,4-D encontrados em alimentos e na água, o risco para a população é bem reduzido, diz texto da Anvisa.

O agrotóxico, porém, teria causado quebra de até 40% na safra passada na região Campanha gaúcha, segundo estimativa do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). A vinícola do apresentador de televisão Galvão Bueno, no município de Candiota, foi uma das atingidas. Segundo reportagem da Zero Hora, a perda foi próxima a 30%; na safra anterior, as perdas chegaram a 50%, quando a deriva aconteceu na época da floração dos vinhedos.

O advogado José Renato de Oliveira Barcelos, que coordena a Articulação pela Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade (ApisBio), lamenta que, mesmo com tantos casos de contaminação, a liberação de agrotóxicos continue acelerada. Em publicações sobre o assunto, o Ministério da Agricultura destaca que o aumento da velocidade dos registros nos defensivos agrícolas se deu após ganhos de eficiência, especialmente na Anvisa. Segundo o Mapa, tanto a Anvisa quanto o Ibama continuam atuando conjuntamente na análise dos produtos.

O Mapa argumenta ainda que a aprovação de produtos genéricos tem como objetivo aumentar a concorrência no mercado e diminuir o preço dos defensivos, o que pode refletir na queda do custo de produção. “Já a aprovação de novos produtos tem como objetivo disponibilizar novas alternativas de controle mais eficientes e com menor impacto ao meio ambiente e à saúde humana”, diz o órgão, que destaca ainda que em 2019, apenas um produto traz um ingrediente ativo novo, e os demais são produtos genéricos que já estavam presentes em outros produtos existentes no mercado.

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