Bom Gourmet
Mapa da Cultura Alimentar leva aula de culinária para internos do Hospice Erasto Gaertner
O chef Guilherme Guzela, com mais de 20 anos de carreira, começou a tarde de quarta-feira (17) levando um carinhoso sermão. "Está muito grande. Falta clara, falta açúcar", ralhou Marisa Graça Siqueira, 80 anos, sentada em sua cadeira de rodas, enquanto esmigalhava um cajuzinho com as mãos, analisando a consistência. O chef a observava maravilhado.
Guilherme pôs-se de cócoras ao seu lado para tirar dúvidas e entender o que havia feito de errado. Ganhou um elogio: "A cor tá boa", concedeu Dona Marisa. Uma plateia ouvia de olhos marejados a conversa entre o que poderia ser avó e neto. "A gente moía o amendoim na mão até ter liquidificador", relembrou Dona Marisa. A cena se desenrolou no refeitório do Hospice Erasto Gaertner, unidade de cuidados paliativos da instituição de Curitiba, durante uma das aulas de culinária que Guzela prepara a partir das receitas de pacientes.
O evento integra o calendário de ações sociais do Mapa da Cultura Alimentar, projeto da Montenegro Produções com recursos da Lei de Incentivo à Cultura. No início de agosto, o Hospice recebeu do Mapa da Cultura Alimentar uma horta vertical com ervas para tempero e chá, além de mudas de morango e flores para alimentar as abelhas sem ferrão do jardim. A estrutura de PVC colorida está instalada ao lado do refeitório e exala aromas de manjericão, hortelã, sálvia, tomilho, funcho, orégano, curry e erva-cidreira.
Mapa da Cultura Alimentar lança exposição e livro em setembro
O Mapa da Cultura Alimentar terá um duplo debute no dia 6 de setembro, no Shopping Mueller: esta é a data de lançamento do livro de receitas com ingredientes de origem do Paraná e Santa Catarina e da inauguração de uma exposição com instalações artísticas que celebram a diversidade da cultura alimentar brasileira. Desde o mês de abril, a equipe tem organizado iniciativas como as aulas de culinária e vivências gastronômicas.
De volta ao trabalho, atento ao ponto correto do docinho, Guzela refez a receita ditando a medida dos ingredientes e o passo a passo em voz alta, recebendo a anuência e eventuais correções de Dona Marisa, que enviava representantes da família à bancada para verificar o ponto do amendoim moído, da clara batida e da textura da massa.
"Essa receita de cajuzinho não vai leite condensado, né, Dona Marisa?", confirmou o chef em voz alta. "Deus o livre!", ela respondeu. "A clara é que dá o ponto e junta todos os ingredientes", explicou Dona Marisa.
Por décadas, ela preparou o docinho para as festas infantis da família, como nos aniversários dos filhos Rodrigo Siqueira Reis e Fernanda Siqueira Reis. "Em julho deste ano, ela fez 150 cajuzinhos porque recebeu a visita de um amigo da idade dela, que não comia este docinho desde a infância", revelou Fernanda. Durante algumas semanas de julho, Dona Marisa reuniu forças para preparar as receitas preferidas dos filhos antes de voltar à unidade de cuidados paliativos.
Quando chegou ao Erasto Gaertner, Dona Marisa entregou a receita escrita de próprio punho para as nutricionistas, sob o título "Cajuzinho da Mamãe". O preparo será um dos que figurarão em um futuro livro de receitas do hospital – e você pode conferi-lo ao final desta matéria.
Já para o projeto Mapa da Cultura Alimentar, o preparo do cajuzinho no Hospice ganhou outra dimensão: a de simbolizar a valorização do conhecimento e memórias de uma geração. "Receitas são formas de eternizar as pessoas importantes para a nossa vida", definiu Guzela.
A aula de culinária reuniu funcionários e acompanhantes do Hospice. Os pacientes, exceto Dona Marisa, receberam suas porções de cajuzinho no próprio quarto. Dona Marisa modelou dois pequenos docinhos, passou no açúcar cristal, mastigou feliz e subiu para seu quarto para aguardar a nova leva de cajuzinhos confortavelmente deitada.
Cajuzinho da Mamãe
- 4 xícaras de amendoim tostado sem a casca, triturado
- 1 xícara de chocolate em pó
- 1 xícara de açúcar
- 4 claras de ovo batidas levemente
- Em uma tigela, misture todos os ingredientes secos. Reserve.
- Bata a clara rapidamente, o suficiente para espumar de leve.
- Misture as claras aos ingredientes secos usando as mãos, e amasse até formar uma massa que não esfarele.
- Modele os cajuzinhos do tamanho de um bocado.
- Passe cada um no açúcar cristal e decore com metade de um amendoim na base. Sirva imediatamente.
- Dica: o chef Guilherme Guzela aquece as claras em fogo baixo com um pouco de açúcar até atingirem 68 °C e as resfria até a temperatura ambiente antes de batê-las e acrescentá-las à receita. Isso ajuda a diminuir a possibilidade de contato com patogênicos, como a salmonela.