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Falta de infraestrutura ferroviária tem afastado investimentos em grandes regiões produtoras do Sul
Falta de infraestrutura ferroviária tem afastado investimentos em grandes regiões produtoras do Sul| Foto: Albari Rosa/Agência de Notícias do Paraná

Santa Catarina importa anualmente cerca de 5 milhões de toneladas de grãos de estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para alimentar seus imensos plantéis de aves e suínos. O estado é o maior produtor nacional de carne suína e padece de um mesmo problema enfrentado por outros gigantes na produção, como as regiões oeste e sudoeste do Paraná, líderes nacionais na produção avícola, e o norte do Rio Grande do Sul, que também figura entre os três primeiros lugares nos dois segmentos.

As regiões que, juntas, têm Produto Interno Bruto (PIB) superiores a R$ 200 bilhões sofrem com intensos problemas logísticos e enxergam investidores desacelerando a aplicação de recursos, migrando ou mesmo optando por regiões mais bem servidas de estradas e ferrovias.

O presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (Acic Chapecó), Lenoir Antônio Broch, lembra que todas as cargas de cereais chegam à região pelo transporte rodoviário, encarecendo consideravelmente os custos de produção.

As más condições das rodovias e a falta de acesso rodoviário para facilitar o escoamento da produção também aparecem na lista dos problemas que seriam resolvidos, quase que na totalidade, por ferrovias que, por enquanto, seguem na fase de projetos.

Além de dificultar o trabalho do que já existe, essa condição tem inibido e mesmo impedido novos investimentos. “Temos parques industriais que estão desinvestindo no oeste de Santa Catarina por conta dos problemas logísticos”, alertou Broch.

A luz no fim do túnel, neste caso, vem de fato do trem. Os estudos técnicos e ambientais estão concluídos e confirmam a viabilidade em um traçado de um oeste a outro, entre os dois estados. Neste braço, a linha férrea sairá de Cascavel (PR) e chegará a Chapecó (SC). “Hoje compramos grãos, principalmente milho, do Centro-Oeste do país. O trem reduziria em 28% o custo do transporte. Só por isso, a ferrovia já se mostrou viável”, completou o presidente da Acic.

A associação coordena uma campanha, ao lado de outras do segmento empresarial, para a integração ferroviária neste percurso que aparece como uma espécie de complemento ao projeto da Nova Ferroeste, liderado pelo Governo do Paraná. A Nova Ferroeste prevê 1.304 quilômetros de trilhos saindo do Porto de Paranaguá e seguindo até Maracaju (MS). Neste trecho não estão contabilizados os 263 quilômetros previstos no traçado de Cascavel a Chapecó.

Os chineses querem a ferrovia

Lenoir Antônio Broch conta que a construção da ferrovia neste trecho específico entre as regiões oeste dos dois estados foi objeto de estudo de viabilidade patrocinado por um pool empresarial, envolvendo desde associações comerciais de cidades de pequeno porte até federações estaduais que representam indústria, cooperativas e setor produtivo.

E foi de olho no potencial de produção dos estados do Sul brasileiro que uma gigante chinesa enviou representantes a Santa Catarina no mês de agosto. Segunda maior do mundo em ferrovias, a CRCC Internacional Investment Group Limited quer construir e administrar o trecho.

“O gerente nacional da CRCC, Daniel Zhang, destacou que a empresa detém tecnologia, experiência, recursos financeiros e capacidade para investir em grandes obras de infraestrutura fora da China, como está fazendo no Chile, Equador, Uruguai, Colômbia, México e Brasil, onde está há 10 anos”, destacou. A empresa avaliou o projeto como “lógico” e defendeu uma “relação de reciprocidade”.

A obra está prevista no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e a expectativa é que a concessão para exploração da futura ferrovia tenha prazo de 99 anos. Mesmo que receba aportes em recursos públicos, o projeto se mostrará de fato viável com os investidores internacionais, avaliam as entidades.

O consultor de negócios Marcelo Ferreira lembrou que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e daí vem o interesse na infraestrutura nacional. “A China responde por 30% de todas as nossas exportações, perto de US$ 50 bilhões, no primeiro semestre deste ano, de um total de US$ 165,3 bilhões que o Brasil vendeu a outros países. A maior parte disso vem do agro, grãos e proteínas, e estamos falando de duas regiões extremamente importantes nesse cenário: o oeste dos estados do Paraná e de Santa Catarina”, avaliou.

O consultor lembra que, além de representar um importante investimento às empresas chinesas, a aplicação de recursos delas em infraestrutura e logística no Brasil também reduz custos e facilita o escoamento, diminuindo tempo de transporte. Consequentemente, pode baratear as aquisições. “Ferrovias facilitam o desenvolvimento, a geração de emprego e renda. São essenciais para diversas cadeias produtivas”, reforçou.

Uma ferrovia de R$ 6,43 bi

A extensão da Ferroeste de Cascavel (PR) a Chapecó (SC) tem previsão de 263 quilômetros em pista simples contando com 18 túneis e 31 pontes e viadutos. A velocidade máxima dos trens será de 80 km/h. A construção exigirá investimentos no valor de R$ 6,43 bilhões e a expectativa é para conclusão no ano de 2032 - se todos os prazos para cada etapa da obra forem cumpridos e se os serviços, efetivamente, iniciarem em 2024.

O grupo de trabalho estima plenitude das operações na ferrovia no ano de 2044, quando a projeção é que estejam em uso 395 vagões de grãos e 43 de contêineres em 22 trens em circulação. O projeto ousado prevê ainda capacidade de transporte em 8,85 milhões de toneladas/ano.

“Além disso, temos o estudo de viabilidade de outra ferrovia de Chapecó até Passo Fundo (RS). Isso aumentaria o consumo de grãos da região para 10 milhões de toneladas antes de 2028”, contou o presidente da Acic Chapecó.

Como evolui o projeto no Paraná

Em abril do ano passado, o Grupo de Trabalho do Plano Estadual Ferroviário do Governo do Paraná apresentou os primeiros Estudo de Viabilidade Técnico e Econômico para incorporar o trecho entre Paraná e Santa Catarina ao projeto original da Nova Ferroeste. Além deste, há outro ramal previsto, dentro do próprio estado: de Cascavel a Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai.

“Não tinha como Santa Catarina ficar de fora. Estamos falando de uma região (somente no estado) com um PIB de R$ 55 bilhões, com um agronegócio extremamente forte”, completou Broch.

O coordenador do Plano Ferroviário do Paraná, Luiz Henrique Fagundes, disse se tratar de um ramal importante para o Paraná e que “dá novo corpo ao projeto da Nova Ferroeste”. Destacou que a conexão abre nova possibilidade para investimentos nos dois estados, que também deve ser incorporado pelo Rio Grande do Sul e, assim, o megaprojeto de infraestrutura promete envolver as principais regiões produtores de todo o Sul brasileiro.

Uma frente de trabalho dentro do projeto em curso realiza um estudo pelo governo e setor produtivo do Rio Grande do Sul do traçado férreo de Passo Fundo a Chapecó. O Rio Grande do Sul é outro grande importador de grãos. Somente de milho são 3,5 milhões de toneladas por ano, principalmente do Mato Grosso do Sul.

Por lá, o recebimento também é por caminhões. Os grãos são transformados em ração que alimentam os mais diversos plantéis. O estado é o terceiro maior exportador de proteína do país. Para se ter ideia da dimensão produtiva, juntos os estados respondem por cerca de 70% da produção nacional de proteína de aves e suínos.

“Estamos falando de um projeto de desenvolvimento econômico e social, por isso queremos levar Passo Fundo até Chapecó, e consequentemente ao Paraná. Essa carência na infraestrutura de transportes é comum aos três estados do Sul do país, o que essa proposta da Nova Ferroeste vem corrigir”, acrescentou Gilmar Caregnatto, coordenador técnico e gerente de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).

Caregnatto considera que, apesar do DNA paranaense no projeto, ele representa uma solução histórica nacional aos graves problemas logísticos da região Sul.

Vai com commodity, volta com proteína

O traçado ferroviário é essencial também às cargas que deixarão as regiões de Passo Fundo, de Chapecó e de Cascavel rumo ao Porto de Paranaguá (PR), segundo maior porto brasileiro e por onde é escoada a maior parte da produção do agro.

Os grãos que descem Sul abaixo em forma de commodity se tornam ração que alimentam aves, suínos, bovinos, peixes. Após o abate, processamento e agregação de valor, com a construção da Nova Ferroeste, os produtos vão retornar, a partir de Chapecó, pela mesma ferrovia até Cascavel, de onde seguirão com destino a outras regiões do Brasil e ao porto, para a exportação. Das linhas de trem da Nova Ferroeste, o único trecho já existente é o de 246 quilômetros entre os municípios paranaenses de Cascavel e Guarapuava.

Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), Ricardo Santin, regiões com menos capacidade e facilidade logística registram diminuição no ímpeto do crescimento. “Quando planejamos crescimento, precisamos de novas linhas de abate, construção de aviários, ampliação de pocilgas suínas, produção de ovos. Ferrovia é algo essencial para manutenção dos negócios e empregos, mas acima de tudo para que não se diminua a competitividade das empresas que estão nestes estados”, destacou.

Os três estados ocupam as primeiras colocações na produção nacional de suínos e aves. Santa Catarina está na liderança na produção suína, seguida pelo Paraná e o Rio Grande do Sul. Na avicultura, Paraná lidera, seguido por Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.

Como será a Nova Ferroeste

A Nova Ferroeste, no traçado de Paranaguá (PR) a Maracaju (MS), tem extensão de 1.304 quilômetros. Somado ao trajeto de Santa Catarina, chegaria a 1.567 quilômetros.

“O projeto nasce como o segundo maior corredor de grãos e contêineres refrigerados do país, o que deve transformar o Paraná num hub logístico da América do Sul por atrair parte da produção de países vizinhos como a Argentina e o Paraguai”, tem defendido o governador paranaense, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD).

Somente no percurso de Paranaguá a Maracaju, se estivesse em operação, a ferrovia poderia transportar cerca de 38 milhões de toneladas de produtos - 26 milhões seguiriam diretamente para o porto. A perspectiva da administração pública paranaense é que esse projeto possa ir a leilão na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) em 2024. Prevê investimentos de R$ 29,4 bilhões. Além do ramal descrito entre Cascavel e Chapecó, no trecho de Cascavel a Foz a perspectiva é de atrair carregamentos de grãos cultivados na Argentina e no Paraguai.

A Nova Ferroeste prevê redução em 46% da emissão de gases do efeito estufa. O projeto está na fase final do processo de licenciamento prévio. Em janeiro, o Estudo de Componente Indígena foi aprovado pelos moradores da Terra Indígena Rio das Cobras, de Nova Laranjeiras. Porém, em abril, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou novos estudos de impacto ambiental.

O leilão prevê a cessão onerosa de cinco contratos: um de concessão, que está vigente desde a década de 1980, e quatro de autorização obtidos em 2021, que completam o traçado previsto para a estrada de ferro.

A empresa ou consórcio que vencer a concorrência será responsável pelas obras e poderá explorar a ferrovia por 99 anos (renováveis). O edital tem como cláusula obrigatória o início da operação entre Cascavel e Paranaguá sete anos após a assinatura do contrato. “A ordem de execução das ligações com o Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Foz do Iguaçu será definida pelo empreendedor, o orçamento atual é de R$ 21,3 bilhões”, destacou a Nova Ferroeste.

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