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A aprovação da PEC da Imunidade Parlamentar, também conhecida como PEC da Blindagem, pela Câmara dos Deputados desencadeou uma onda de reações entre governadores com ambições presidenciais em um movimento que vai além da crítica institucional.
Trata-se também de um cálculo político em torno da eleição de 2026, em que nomes como os dos governadores Ratinho Junior (PSD-PR), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Romeu Zema (Novo-MG), e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) aparecem como potenciais candidatos ao Palácio do Planalto, principalmente caso o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se mantenha inelegível devido à condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes relacionados aos atos cometidos em 8 de janeiro de 2023.
Tarcísio de Freitas mantém discrição estratégica ao lado de Kassab
O governador de São Paulo, considerado como principal nome para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas no próximo ano em uma disputa sem Bolsonaro, evitou declarações explícitas sobre a PEC da Imunidade, em um silêncio público que contrasta com as articulações nos bastidores.
Aprovada na Câmara dos Deputados sob a liderança do correligionário de Tarcísio, Hugo Motta (Republicanos-PB), a PEC da Imunidade é interpretada como parte de um arranjo do Centrão com aliados de Bolsonaro para viabilizar a candidatura do governador paulista em 2026. Tarcísio, que tem o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, como braço direito, é um nome agradável aos partidos de centro para assumir a cadeira da Presidência.
Analistas apontam que a postura discreta de Tarcísio é tática: ele preserva a imagem institucional sem se associar a uma pauta com forte rejeição junto à opinião pública. "Tarcísio manteve esse posicionamento silencioso mais favorável para não repercutir em seu eleitorado paulista e também nacional caso ele queira a candidatura para presidente da República", diz Letícia Mendes, cientista política e especialista em Poder Legislativo na BMJ Consultores Associados.
"Tarcísio veio a Brasília várias vezes em torno principalmente do PL da Anistia, mas a PEC da Blindagem estava em segundo plano e a gente sabe que ele também influenciou neste assunto", complementa.
A reportagem tentou contato com o governador Tarcísio, mas não obteve retorno até a publicação.
Com foco no eleitor de centro-direita, Ratinho, Zema e Caiado criticam PEC da Imunidade
Na segunda-feira (22), após a repercussão negativa da PEC da Imunidade endossada pelas manifestações da esquerda, o governador do Paraná, Ratinho Junior, elevou o tom nas críticas ao texto. Ele tem sido mencionado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, como um dos possíveis nomes para suceder Bolsonaro na disputa à Presidência.
Após palestra na Associação Comercial de São Paulo, Ratinho Junior afirmou que a PEC não atende aos anseios da sociedade e pode estimular a entrada de novos políticos interessados apenas em obter foro privilegiado. "A sociedade lutou muito tempo contra o foro privilegiado. Hoje essa medida muda a lógica. Foi uma votação precipitada, pouco discutida, e aprovada de forma açodada. Muitos parlamentares votaram sem saber de fato o que estavam votando", disse ele.
Para o cientista político e pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV Leonardo Paz, o governador do Paraná surfou na reação negativa da sociedade para não perder espaço eleitoral. "O Ratinho Junior tem sido moderadamente a favor de Bolsonaro, tanto que ele defende a anistia dentro de uma lógica de pacificação nacional, que é um conceito genérico", pontua.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, por sua vez, que construiu caminho para uma aliança com Ratinho Junior em 2026, adotou postura semelhante à do governador do Paraná. Em entrevista ao Estadão, Zema afirmou que a PEC "tomou um rumo errado".
"Em primeiro lugar, criou o voto secreto pra salvar deputado pego em flagrante. Depois, deu foro privilegiado para dirigentes de partidos políticos, um absurdo. Por fim, travou investigações contra políticos que cometam crimes. Eu sempre defendi a anistia, critiquei e critico constantemente os abusos do STF. Mas a direita não pode cair na armadilha dessa PEC", disse ele.
Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, defendeu a anistia na mesma linha de raciocínio de Ratinho Junior, e foi categórico ao criticar a PEC da Imunidade ainda na semana passada. Ele afirmou que a emenda desgasta o Parlamento, abre caminho para facções criminosas e fere a credibilidade da política. Caiado aposta na resistência do Senado e diz esperar que a proposta não passe na Casa.
"É um convite para o crime organizado entrar no Congresso pela porta da frente, disputando voto nas urnas, para proteger os chefes das facções do alcance da justiça. Espero que o Senado corrija o erro da Câmara e rejeite a proposta", postou o governador de Goiás em suas redes sociais na última quinta-feira.
Governadores presidenciáveis buscam afastar rejeição
De acordo com o cientista político Leonardo Paz, por serem relativamente pouco conhecidos fora de seus estados, pré-candidatos da direita como Ratinho Junior e Ronaldo Caiado adotam um perfil mais discreto e evitam uma associação direta a Jair Bolsonaro para manter a rejeição baixa, sobretudo entre os eleitores de centro.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada na quinta-feira (18) mostra que a rejeição de Ratinho Junior, Zema e Caiado — de respectivamente 39%, 33% e 32% — é baixa quando comparada com a de integrantes da família Bolsonaro. Michelle, por exemplo, tem 61% de rejeição, enquanto Eduardo Bolsonaro tem 68%.
A pesquisa foi realizada de 12 a 14 de setembro, com 2.004 entrevistas presenciais em 120 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com nível de confiança de 95%.
Valdemar Costa Neto defende PEC da Imunidade como defesa contra abusos
Na outra ponta, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, assumiu desde o início uma defesa clara da PEC da Imunidade Parlamentar — os deputados do PL votaram a favor, com exceção de seis que se abstiveram.
Para Costa Neto, a proposta apenas retoma o modelo original da Constituição de 1988, que previa maior blindagem aos mandatos. "Você tem que dar total autonomia e proteção ao deputado federal. É o povo que tem que votar bem", disse Costa Neto em entrevista ao portal Primeira Página.
O texto, porém, também prevê foro privilegiado a presidentes de partidos, o que beneficiaria o próprio Costa Neto, mesmo sem mandato eletivo. Embora reconheça a dificuldade de aprovação no Senado, o presidente do PL mantém o discurso em eventos partidários e usa a pauta como bandeira junto a outras causas, como a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
Dentro desse xadrez, a defesa aberta da PEC por Valdemar Costa Neto contrasta com a cautela dos governadores, que evitam se associar a uma pauta de alto desgaste. O resultado é um movimento estratégico, de preservar capital político no presente para, em 2026, viabilizar uma chapa de centro-direita capaz de transitar tanto entre o eleitorado da direita quanto entre os votos de centro.
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