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Adepto do estoicismo, a escola filosófica grega que ensina a sabedoria e a serenidade, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), adotou a postura de criticar abertamente a gestão federal do presidente Lula (PT) enquanto mantém o estilo mineiro na disputa velada entre os governadores de direita pelo legado eleitoral de Jair Bolsonaro (PL).
Pragmático nas contas públicas, Zema aposta na recuperação financeira do caixa mineiro como uma das bandeiras para as eleições de 2026 e tem o desafio de se tornar um líder político conhecido nacionalmente, além das divisas do estado, o segundo maior colégio eleitoral do país. O desafio de extrapolar divisas nacionais de Zema é similar ao dos governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União); do Paraná, Ratinho Junior (PSD); e de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) - todos considerados presidenciáveis a um ano e sete meses da eleição.
A inelegibilidade do ex-presidente Bolsonaro, que também se tornou réu pela suposta tentativa de golpe de Estado após julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a indefinição do governador paulista - que declara intenção de disputar a reeleição estadual - abre a possibilidade de Zema se candidatar como representante da direita. Nas últimas semanas, o governador mineiro tem reforçado o discurso em antagonismo à gestão Lula, marcada pelo descontrole das contas públicas.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente nacional do Novo, Eduardo Ribeiro, afirma que a direita vive “um mar de incertezas” e que o cenário permite um caminho para a construção de outras opções. Ribeiro pontua que Caiado foi condenado em primeira instância e que aguarda a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO).
A acusação contra Caiado é de abuso de poder político durante as eleições de 2024 na campanha em prol do aliado Sandro Mabel (União), eleito prefeito de Goiânia. O parecer do Ministério Público Eleitoral foi pela absolvição do governador goiano, que lança a pré-candidatura a presidente oficialmente na próxima sexta-feira (4).
“O Pablo Marçal é outro nome que poderia ocupar esse espaço, mas ficou inelegível depois da campanha à prefeitura de São Paulo. Restam poucas opções e entendemos que o Zema é a melhor por causa da gestão em Minas Gerais. O estado estava quebrado pelo PT, economicamente destruído”, comenta o presidente do Novo.
Empresário mineiro, Zema estreou nas urnas em 2018 e foi a surpresa do pleito ao governo do estado, rompendo a polarização entre PT e PSDB em Minas Gerais. No segundo turno, ele bateu o ex-governador tucano Antônio Anastasia [hoje no PSD] e assumiu o comando de Minas Gerais após a administração petista de Fernando Pimentel.
A reprovação da gestão Lula também motiva a candidatura presidencial de Zema. “A gente já sabia que seria ruim, mas não que seria tão ruim assim. Isso possibilita o retorno da direita ao poder”, acrescenta Ribeiro.
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O presidente nacional do Novo confirmou que o partido quer que Zema seja pré-candidato a presidente da República, enfatizando que as siglas têm o direito de lançar os nomes dos presidenciáveis no ano pré-eleitoral. “Não tem como a gente saber, neste momento, quem será o mais viável se o Bolsonaro não conseguir ser candidato. Por isso, uma pré-candidatura do Zema é importante e está sendo discutida no partido”, declarou.
Questionado sobre o estilo mais discreto do mineiro, Ribeiro respondeu que o governador é muito firme nas decisões, não esconde as convicções em que acredita e entrou na política após a recessão econômica durante o governo petista da ex-presidente Dilma Rousseff. “O Zema sofreu na pele como empresário o que a Dilma fez no Brasil. [...] Ele conseguiu reorganizar o estado dele, agora vê o governo federal cometendo os mesmos erros. Então, ele se sente na obrigação de falar e enfrentar.”
Na construção do nome de Zema como presidenciável, Ribeiro pontua que Minas Gerais é o segundo maior estado do país, com regiões de diferentes características sociodemográficas, influenciadas por estados vizinhos. E a gestão Zema mantém a aprovação do eleitorado mineiro em setores distintos.
“O estado tem a região do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas, que é muito semelhante ao Nordeste. Também tem a região sul e o Triângulo Mineiro, que são mais semelhantes ao Sudeste em termos econômicos e sociodemográficos. Nosso grande desafio é torná-lo conhecido nacionalmente”, analisa.
Para embasar a aprovação de Zema, o líder partidário citou a pesquisa Genial/Quaest, divulgada em fevereiro, quando o governador mineiro aparece com 62% de aprovação no segundo ano de mandato. No mesmo período, o instituto de pesquisas aponta que o governo Lula foi avaliado como negativo por 51% do eleitorado mineiro.
- Metodologia: A pesquisa Genial/Quaest ouviu 1.644 pessoas em São Paulo; 1.482 em Minas Gerais; 1.400 no Rio de Janeiro; 1.400 no Rio Grande do Sul; 1.200 na Bahia, e 1.104 no Paraná, em Goiás e Pernambuco. As entrevistas foram realizadas entre os dias 19 e 23 de fevereiro. O nível de confiança é de 95%.
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Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o governador de Minas Gerais deve manter o alinhamento com Bolsonaro para se manter como um dos nomes que podem herdar o capital do ex-presidente nas urnas em 2026, repetindo a estratégia eleitoral desde a vitória em 2018 para o primeiro mandato.
Cerqueira considera que a alta aprovação de Zema no estado deve ser decisiva no apoio ao sucessor no comando do governo mineiro. Para emplacar a candidatura nacional, o cientista político ressalta que o governador de Minas Gerais vai necessitar do apoio do ex-presidente e dos aliados do PL, partido que esteve em lado oposto no primeiro turno das eleições de 2024 em Belo Horizonte.
“O Zema evita o distanciamento e não entra em confronto com o ex-presidente, pois tem o entendimento que não pode ser visto como um antagonista de Bolsonaro para não perder o contato com o eleitor, porque sabe que as chances são maiores com esse apoio”, avalia Cerqueira.
Na semana passada, o governador mineiro saiu em defesa de Bolsonaro. Ele chamou o ex-presidente de “maior líder da oposição ao governo do PT” e afirmou que espera “que a Justiça seja feita e que ele recupere seus direitos políticos”. A declaração foi considerada um aceno ao PL da Anistia no Congresso Nacional - se for aprovado, pode devolver os direitos políticos de Bolsonaro e beneficiar os presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
O aceno foi retribuído durante entrevista do ex-presidente à Folha de S. Paulo, publicada no último sábado (29). Bolsonaro reforçou que ele é o pré-candidato do PL ao Palácio do Planalto em 2026, autorizado pelo presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, apesar da inelegibilidade e do processo pela suposta tentativa de golpe. Mesmo assim, Bolsonaro citou alguns nomes que podem vir a disputar a eleição presidencial no campo da direita como oposição ao PT, entre eles, o governador de Minas.
“Tarcísio é uma excelente pessoa, fenomenal gestor e um muito bom, bom, não vou falar excepcional, um bom político, assim como tem outros nomes pelo Brasil. O Zema é uma pessoa que fez uma boa gestão lá, o Caiado, o Jorginho Mello, outras pessoas que não estão no cargo executivo, mas despontam", respondeu Bolsonaro.
Zema marca posição em troca de farpas com Lula
Zema e Lula participaram da inauguração do centro de mobilidade híbrida-flex da fábrica Stellantis no último dia 11 em Betim, na Grande BH, em evento que foi marcado pela troca de farpas entre o governador e o presidente no palco. Durante o discurso, Zema lembrou que pegou o estado “desmoronando, quebrado, desacreditado e sem credibilidade” após a gestão petista de Pimentel e voltou a criticar a renegociação da dívida dos estados proposta pelo governo federal.
Lula respondeu com ataques ao ex-presidente Bolsonaro e citou a falta de investimentos em Minas Gerais. “Alguém aqui tem conhecimento de alguma obra feita em Minas pelo governo passado? Se tiver, pode levantar, fique em pé, eu agradeço e dou parabéns. Mas não tem, nem aqui ou em outro estado da federação”, declarou o petista.
O professor Adriano Cerqueira analisa que a postura de Zema em relação aos investimentos federais é diferente da de Tarcísio de Freitas por causa da situação financeira dos estados, o que possibilita parcerias com o governo Lula e até projetos paralelos em São Paulo.
No final de fevereiro, Lula e o governador paulista lançaram o edital do túnel Santos-Guarujá, em parceria, com acenos e fotos conjuntas no porto de Santos. “A condição econômica e financeira do estado de Minas deixa o Zema mais à vontade para marcar posição neste momento”, compara Cerqueira.
Novo vai precisar de coligação partidária para fortalecer Zema
Na avaliação do cientista político, o governador mineiro necessita de uma ampla base partidária para dar sustentação ao projeto nacional, o que não deve ocorrer em uma candidatura isolada pelo Novo. O partido de Zema é considerado pequeno, pois possui apenas quatro deputados e um senador no Congresso Nacional.
“O cenário [na direita] está em aberto, mas uma candidatura do Zema pelo Novo iria precisar de outros partidos mais bem posicionados em uma chapa que pudesse contemplar aliados em outros estados, seja com o Zema na cadeira titular ou como candidato a vice-presidente”, analisa.
Para Cerqueira, o perfil empresarial credencia o governador mineiro para cargos no Poder Executivo, o que deve afastar Zema de projetos para concorrer nas eleições proporcionais ao Legislativo. “O horizonte dele é a chapa presidencial e como ele pode se viabilizar, tendo em vista a boa avaliação em Minas Gerais, considerado um estado-chave nas últimas eleições presidenciais.”
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