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São Paulo – Existem poucos cineastas contemporâneos que mereçam ser chamados de autores. O chinês Wong Kar-wai é um deles. Seus filmes, histórias de amor inconclusivas, dolorosas e profundamente sensuais, se interconectam por vários caminhos. Da estética às temáticas. O belíssimo 2046, um dos destaques da 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não é exceção.

Embora tenha sido vendido pela mídia internacional, provavelmente por conta do título, como uma trama futurista, o oitavo longa-metragem de Wong (os sobrenomes chineses sempre antecedem o nome) se passa, em grande parte, no ano de 1966. O que o aproxima cronologicamente do enredo de Amor à Flor da Pele, filme anterior do diretor.

As ligações entre as duas obras, entretanto, não se limitam apenas à época em que se desenrolam. Ambas são estreladas por Tony Leung (de Clã das Adagas Voadoras), o astro mais importante do cinema oriental da atualidade. Mais uma vez, o ator interpreta um jornalista/escritor, só que, em 2046, o protagonista, Chow Mo Wang, não vive um relacionamente quase platônico, como em O Amor à Flor da Pele. É um sátiro, um Don Juan, que pauta sua existência pelas mulheres que passam por sua vida – e cama. Entre elas, a intensa Bai Ling, vivida com maestria pela estrela Zhang Yiyi (de O Tigre e o Dragão e Herói).

Avesso a relacionamentos que se confundam com compromissos, Chow escolhe viver no Oriental Hotel, um pardieiro em Hong Kong onde as paredes de madeira fina tremem toda vez que exercita seus dotes de amante insaciável. O destino o leva ao estabelecimento quando reencontra uma antiga amante, instalada no quarto 2.046 – o que explica o título do longa.. Quando a mulher desaparece, ele se muda para a hospedaria, cenário de suas muitas aventuras amorosas.

O fato de o filme ter sido confundido com um algo no território da ficção científica não é gratuito. Grande parte das imagens que foram divulgadas dizem respeito a uma trama paralela, fruto da imaginação de Chow, que transforma numa novela futurista o seu conflito com a possibilidade de um envolvimento afetivo mais profundo. No livro, 2046 seria um ano – ou uma instância temporal – onde as pessoas podem reviver seus passados, mas de onde não tem o direito de fugir.

Lírico, envolvente e, acima de tudo, original tanto na forma, que entrecruza realidade e ficção, quanto no conteúdo, uma discussão pungente sobre o amor e a solidão, 2046 confirma Wong Kar-wai como um dos mestres do cinema do nosso tempo. É mais uma obra-prima.

O jornalista viajou a convite da 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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