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Hollywood é uma indústria capitalista: quer antes de tudo faturar. A maneira de fazer isso é simples. Dar às pessoas aquilo que elas querem. Se as adolescentes querem histórias de amor com final feliz, é o que terão. Para os meninos, filmes de ação, com heróis musculosos em que eles possam se espelhar detonando com seus inimigos. Para as senhoras, romances adultos. Para as crianças, bichinhos falantes. E para todos, comédias que tenham uma mensagem positiva, do tipo "você também pode fazer isso".

Os personagens devem ser o que queremos ser. Mulheres de corpos esculturais; homens capazes de deixar as mulheres de corpos esculturais a seus pés; gente que consegue superar os problemas com frases rápidas, mordazes e um discreto sorriso nos lábios. Todos brancos, felizes e – de preferência – ricos. E, obviamente, europeus ou norte-americanos. Latinos, orientais e negros aparecem, mas normalmente como narcotraficantes cucarachas, cus-de-ferro de olhos puxados e contrapontos cômicos de carapinha em riste.

Mas, se é assim, por que é que, de uma hora para outra começaram a aparecer nas telas personagens vindos do que para nós, ocidentais, é mais parecido com o fim do mundo: a África? Ora, ninguém no mundo inveja a vida dos africanos, ou pelo menos a vida da maioria deles. Trata-se do continente mais pobre do mundo, que convive com epidemias gigantes, de doenças como a aids, e com uma série de guerras civis, como a do Sudão e a de Serra Leoa.

Mesmo assim, surgiram nas salas de cinema por aqui, em menos de um ano, filmes como A Intérprete, Hotel Ruanda e O Jardineiro Fiel. Todos feitos no primeiro mundo, todos tratando das mazelas africanas. No primeiro, o tema é um ditador que está tramando um golpe para se perpetuar no poder, que usa a violência típica de um Idi Amin ou de um Robert Mugabe, ditadores, cada qual de Uganda e do Zimbábue. No segundo, o assunto é um dos maiores e mais ignorados genocídios da história da humanidade, a chacina de quase um milhão de pessoas em Ruanda, em 1994. No terceiro, o uso dos africanos pretos e pobres como cobaias da indústria farmacêutica.

A explicação pode começar pelo peso na consciência. "A África é ignorada, o genocídio de Ruanda foi ignorado", diz o professor Luiz Gonzaga Godói Trigo, da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em indústria do entretenimento, Trigo afirma que o primeiro mundo vê nos filmes uma forma de amortizar a divida do Ocidente. "Isso é um avanço, identificar as mazelas é sempre algo positivo", comenta. Mas o professor também lembra que o cinemão normalmente reforça os esterótipos com suas versões da realidade.

Exemplo disso seria a discussão proposta em A Intérprete. A personagem de Nicole Kidman é uma funcionária de baixo escalão da ONU que – embora seja branca – nasceu num país fictício da África, dominado por um cruel ditador. Ela acaba sabendo sem querer de uma conspiração para assassinar o presidente, e daí nasce a trama. "Será que só existem ditadores na África?", pergunta Trigo, autor do livro Entretenimento.

A socióloga Marcilene Garcia de Souza, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda com a crítica. "Os filmes normalmente acabam explorando a pobreza, as epidemias, os problemas daquelas populações, mas sem fazer disso uma reflexão mais profunda", afirma a ativista do movimento negro. Para Marcilene, a chegada dos africanos a Hollywood é fruto de uma discussão mundial sobre racismo, que tem se intensificado em anos recentes. A indústria estaria sentindo a pressão para fazer a sua parte.

Mas a grande pergunta que fica é: afinal, serve de alguma coisa mostrar nos filmes de Hollywood a realidade africana? Melhora a vida de alguém? Parte da resposta está no depoimento do advogado moçambicano Custódio Duma. Ativista de direitos humanos, ele acredita que, para os próprios africanos, pouco importa. "Em Moçambique, mesmo com uma população de mais de 19 milhões de habitantes, existem cerca de 10 salas de cinema e poucas pessoas têm a oportunidade e o poder de comprar um vídeo ou um DVD", afirma.

Para Luiz Trigo, o que sobra de positivo é a conscientização dos ocidentais que também têm muito a ver com a barbárie retratada nas telas. Para ele, o melhor exemplo recente dessa demonstração está em O Senhor das Armas. No filme, Nicholas Cage interpreta o papel de um vendedor de armas. Ele fornece o armamento para grupos que vão exterminar facções rivais. E sabe disso. Mesmo assim, continua fazendo o seu trabalho. Logicamente, não é só um negócio. É algo mais. E é preciso que, aos países ricos, chegue mais do que o lucro dessas armas. É preciso que chegue também informação sobre o que se faz com elas.

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