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Evandro Affonso Ferreira: trilogia do desespero | Marcelo Justo/Folhapress
Evandro Affonso Ferreira: trilogia do desespero| Foto: Marcelo Justo/Folhapress

Romance

Os Piores Dias da Minha Vida Foram Todos

Evandro Affonso Ferreira. Record, 128 págs. R$ 30.

A primeira, e apressada, impressão que se tem sobre a literatura de Evandro Affonso Ferreira decorre da ferina ironia com que o próprio autor se refere a sua obra. Em conversas e entrevistas, o mineiro de Araxá costuma dizer que escreve para uma parca dezena de leitores que entendem as referências e citações que perpassam seu texto denso.

Um olhar mais cuidadoso sobre seu novo romance, Os Piores Dias da Minha Vida Foram Todos, ajuda a desmistificar este e alguns outros pontos sobre a obra do premiado escritor que, ao arrepio da antipropaganda, conquistou um espaço único na literatura brasileira contemporânea.

O livro fecha a angustiante "trilogia do desespero", iniciada com o Minha Mãe Se Matou sem Dizer Adeus, lançado em 2011 e vencedor do prêmio de melhor livro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). No ano passado, o volume O Mendigo Que Sabia de Cor os Ádágios de Erasmo de Rotterdam ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance.

Não me arrisco a vaticinar que destino terá este terceiro capítulo da tríade, lançado pela editora Record como os anteriores, em premiações. Ou se vai superar a imaginária barreira dos 40 leitores que o escritor afirma ter. O certo é que o autor leva às últimas consequências o seu compromisso com a linguagem rigorosa, densa e original.

A consciente "morte do homem", de sua memória e sentidos, é o tema de todo o texto, escrito em um longo capítulo de uma centena de páginas. Presa à cama onde encontrará a morte, uma mulher reflete com angustiada desesperança sobre a existência que se esvai e dá uma aula sobre como morrer travando um suposto diálogo com Antígona, a figura trágica da mitologia grega que enfrenta corajosamente, de frente, o próprio fim. Morte, loucura, solidão e desespero são atirados no colo do leitor de forma contundente.

A prosa de Ferreira é única e labiríntica. O autor parece se divertir, provocar o leitor com verborrágica erudição. Gasta boa parte do vernáculo e usa as formas altas da arte – poesia, jazz, filosofia e história – para catalisar o drama do desaparecimento. Em contraponto, a mundana estupidez social quase justifica a nossa extinção com um humor e um lirismo redentores, que transformam a miséria em grotesco e sublime.

Há quem acuse Ferreira de se ocupar de produzir um "neo-beletrismo" calculado para se ajustar a sua postura de marginal da cena literária brasileira. Porém, a leitura de Os Piores Dias da Minha Vida Foram Todos não é hermética como talvez o autor desejasse, e sim uma agradável e revigorante experiência de reconciliação com a palavra como a forma extrema de expressão de sentimentos, emoções e inteligências.

O ciclo veloz fechado (em menos de quatro anos) por este livro foi o vento mais inventivo, inesperado e provocador da literatura brasileira da década. A bela capa do livro é assinada pelo editor e ilustrador curitibano Frede Marés Tizzot. GGGG1/2

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