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Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" | Reprodução www.globo.com/paraisotropical
Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical"| Foto: Reprodução www.globo.com/paraisotropical

A fotografia é a técnica artística encontrada em pelo menos uma dezena das exposições em cartaz em Curitiba atualmente. Para verificar sua disseminação, basta dar uma olhada no roteiro da página 6. Dos museus mais tradicionais aos novos bares, as criações de fotógrafos e artistas visuais conquistam espaço cada vez maior. São, é claro, resultado da facilidade que a técnica fotográfica alcançou na era digital e do barateamento dos seus custos. Mais do que isso. São sintomas da consolidação da fotografia entendida como arte.

O registro fotográfico oferece uma vasta cartela de possibilidades à expressão do artista, mas duas vertentes principais dividem a atual produção de imagens: a fotografia dita "pura", por não sofrer manipulação do fotógrafo, além das escolhas feitas no momento do clique (o enquadramento, por exemplo), e a fotografia "interferida", que recebe, na edição, interferências do artista.

Ao primeiro grupo, pertence o fotógrafo curitibano João Urban, com uma trajetória de 40 anos de "fotografia narrativa" – mais estreitamente relacionada à literatura do que às artes plásticas, segundo o fotógrafo, que prefere não ser chamado de artista.

Para ele, o que as novas tecnologias provocaram foi uma espécie de "grande alfabetização fotográfica". "Já existe esse gosto pela fotografia, o que não existe ainda é uma cultura fotográfica, que começa a se estratificar agora. A fotografia não foi muito historiada no Brasil, só agora estão surgindo antologias, essa cultura ainda está por vir", analisa.

Urban também identifica um certo atraso no reconhecimento do valor artístico da fotografia no Brasil, comparado a outros lugares. Já a percepção da fotografia como forma legítima de expressão artística e das possibilidades de interferência na imagem não são novidades por aqui. "Isso o Geraldo de Barros [1923-1998] já fazia nos anos 50", diz.

"Os artistas plásticos redescobriram a fotografia agora. Acho que o atraso é até mais deles do que do reconhecimento da fotografia como arte", opina. "A fotografia sempre foi olhada com preocupação pelas artes plásticas brasileiras. Ainda hoje, o artista plástico acha que a fotografia passa a ter valor quando é manipulada".

A tendência a supervalorizar a interferência seria reforçada pelos curadores, que estimulam os artistas a manipular as fotografias para "agregar valor" a elas. Urban, porém, não é radical. Se, por um lado, lamenta que fotógrafos consagrados se curvem à onda de interferências, criando imagens "desinteressantes", por outro, elogia o trabalho de alguns que alternam a fotografia pura e as misturas, como o Miguel Rio Branco.

Vilma Slomp percorre esse caminho. Depois de iniciar a carreira com fotojornalismo, ela passou a acrescentar outros elementos a seus instantâneos. "Foi um processo de autodescoberta de como me expressar além do fotojornalismo: construir a imagem em estúdio, entrar em uma linha conceitual", conta.

A fotógrafa apresentou recentemente a exposição Vísceras em Vice-Versa, na qual inseriu informações que revelam o drama pessoal pelo qual passou durante a produção das imagens e que influiu na atmosfera trágica do trabalho: um erro médico que a deixou hospitalizada.

Vilma acredita que, apesar dos avanços, a fotografia ainda não foi realmente reconhecida como arte no Brasil – apenas em São Paulo isso começa a ocorrer.

"Em Paris está acontecendo a Paris Photo, uma feira de arte com mais de cem galerias do mundo expondo trabalhos de fotografia. É o suficiente para ver que a tendência mundial da fotografia profissionalizada só tem a aumentar. No Brasil, falta às galerias entenderem o processo de comercialização da fotografia, conhecer os artistas em que vai investir e os colecionadores", opina.

Olhar da pintura

Para quem fez o caminho contrário, ou seja, os artistas que partiram da pintura para a a expressão fotográfica, o olhar do pintor permanece frente à câmera. É o que revelam Mazé Mendes e Tom Lisboa. Para ela, aproveitar a técnica fotográfica em suas criações é uma questão de "acompanhar o tempo".

"Vejo a fotografia como uma nova ferramenta que posso mesclar às questões da cor e da materialidade da minha pintura. A fotografia não é o quadro que eu pintei cantinho por cantinho com o pincel, mas tem outro olhar meu: o instantâneo", observa. Na série Vestígios, por exemplo, fotografou muros e outros objetos cuja textura lhe interessavam e sobrepôs às imagens antigos desenhos e gravuras criados na década de 80.

Tom Lisboa, outro pintor que migrou para a fotografia (e para o vídeo), diz que o "olhar de pintura" o impediu de compreender o registro instantâneo como a captação da "verdade". Seu interesse pela fotografia veio da possibilidade de explorar outros conceitos que o intrigavam: o enquadramento, a edição, a manipulação e a construção da imagem.

Na intervenção urbana Blow Up, por exemplo, o artista ampliou fotografias da grama até deixar os pixels aparentes e as posicionou como lentes de aumento sobre a vegetação rasteira em parques curitibanos. Com as Polaroides (in)Visíveis, porém, foi além, sublimando a necessidade de câmera e papel fotográfico. Nesta série, que permanece em cartaz na galeria da Caixa até amanhã, em vez apresentar fotografias, ele sugere enquadramentos para que o espectador construa suas próprias "fotografias mentais".

A banalização do ato de fotografar, para Tom, tem um efeito positivo: o surgimento de um movimento contrário e igualmente intenso – a necessidade de repensar as imagens.

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