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Vamos levar livros para a biblioteca do hospital, diz o avô: assim as pessoas doentes terão o que ler.

O neto, com seus quase cinco anos, ajuda a encher caixa de livros, depois se afivela na sua cadeirinha no carro.

No hospital, entregam os livros e depois o avô diz que vai fazer outra coisa boa também, doar sangue. O neto pergunta o que é doar.

– É dar. O vô vai dar sangue, como demos livros. Quem precisar de sangue, vai usar o sangue do vô.

– E como vão tirar teu sangue, vô?

– Com uma agulha.

O neto estaca no corredor, homenzinho sério:

– Vão tirar todo teu sangue, vô?

– Não, só um pouco, você vai ver.

Na sala de coleta, o enfermeiro pergunta se o neto também vai doar sangue, o neto olha para o vô, vai ou não vai doar? Não, o enfermeiro mesmo explica:

– Você ainda está crescendo, precisa do sangue para crescer. Mas, quando ficar grande, vai doar que nem o vô, né?

O menino concorda, todo homem. Nem pisca olhando o enfermeiro amarrar o braço do avô, passar algodão com álcool, mas arregala os olhos quando a agulha se aproxima da pele. O enfermeiro sussurra ao avô:

– Não demonstre dor, senão perdemos um futuro doador...

O avô sorri quando a agulha espeta.

– Não dói, vô?!

Nadinha, o vô garante sorrindo. O neto olha fascinado o tubo que vai avermelhando quando o sangue passa do braço para a bolsa coletora. Conforme vai enchendo, a bolsa vai balançando na sua gôndola, o neto continua olhando sem piscar.

O enfermeiro vai atender outro doador ali do lado. O homem faz careta e solta um gemidinho quando a agulha espeta. O neto sussurra:

– Nele doeu, vô.

O vô também sussurra:

– É que tem gente manhosa, que pensa que vai doer, então geme como se doesse, mas não dói.

Quando a bolsa enche e a máquina apita, o enfermeiro volta, retira a agulha, avisa que o lanche espera na sala ao lado.

Na lanchonete, o avô diz que quem doa sangue sempre ganha sanduíche quentinho e suco geladinho.

– Então você vai doar quando ficar grande, né?

O neto mastiga sem responder, olhando longe.

– Hem, você vai doar?

O neto diz que então trará o irmão mais velho.

– Pra ele doar primeiro, vô. Aí ele me conta se doer.

– Ah... E, se ele disser que doeu, você não vai doar?

O neto balança a cabeça mastigando, não, não vai doar.

– Nem se for uma dorzinha de nada?

O neto mastiga pensando.

– Aí, vô... Eu vou doar livros, ué!

O avô mastiga sorrindo, até se perguntar em voz alta:

– Será que você vai ser político, guri?

O neto lambe o bigodinho de suco antes de perguntar:

– O que é político, vô?

– Ah, ainda é cedo pra você saber. Mas parece que você já é político.

O neto vai para o carro caminhando grande. Em casa, anuncia para a mãe:

– Eu sou político, mãe!

A mãe encara o avô:

– O que você andou fazendo com meu filho, pai?!

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