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Texto refinado embala tramas contundentes: Carrascoza, um dos destaques da literatura brasileira | Marcos Issa/Divulgação
Texto refinado embala tramas contundentes: Carrascoza, um dos destaques da literatura brasileira| Foto: Marcos Issa/Divulgação

Perfil

Saiba mais sobre o contistaJoão Anzanello Carrascoza, nascido em Cravinhos (SP), no ano de 1962, é um contista. Começou a escrever ficção há algumas décadas, enquanto cursava a faculdade de Comunicação na Universidade de São Paulo (USP), e nunca mais parou de inventar enredos e linguagem.

Em sua bibliografia, constam os elogiados livros de contos O Vaso Azul, Duas Tardes, Dias Raros e O Volume do Silêncio, bem como títulos infantojuvenis.

Mas foi pelos breves e intensos contos que ele recebeu prêmios, entre os quais o Guimarães Rosa/Radio France Internationale e o Jabuti.

O seu conto "Sinal dos Tempos" foi escolhido, entre uma infinidade de prosadores, para representar o Brasil, ao lado de textos de Moacyr Scliar e Marina Colassanti na antologia de Cuentos Breves Latinoamericanos (Coédición Latinoamericana, 1999), obra publicada em dez países de língua espanhola, com patrocínio da Unesco.

Carrascoza costuma dizer, em entrevistas, por que prefere o conto, para ele, "território do velocista". O contista argumenta que, em poucas páginas, é possível construir todo um novo universo, rico e complexo, com poucos recursos, o que não se dá, por exemplo, na longa narrativa, que tem os seus mistérios próprios. "O conto é microscópico", diz o autor, em entrevistas de divulgação de seus livros.

Em 2009, ele recebeu um convite importante: participar do programa de escritores residentes do Château Lavigny, na Suíça, e foi durante essa temporada que terminou de escrever e burilar Espinhos e Alfinetes.

Carrascoza atua como redator de propaganda e é professor universitário. Vive em São Paulo (SP).

São raras as obras literárias que apresentam consistência e qualidade inquestionáveis do início ao fim. Isso tem explicação. Todo dia, 40 novos livros são despejados nas livrarias brasileiras. Naturalmente, a maior parte não pode, mas bem que poderia, ter excelência, pelo menos no que diz respeito a acabamento.

Em tal cenário, um livro como Espinhos e Alfinetes, de João Anzanello Carrascoza, chama a atenção e merece aplausos. A obra já começa na capa. Há ramos espinhosos que adquiriram, a partir de recursos de computação gráfica, aspecto de alfinetes. Dá a impressão de que as mãos do leitor podem ser feridas ao tocar a capa.

E, de fato, ao abrir, ler e percorrer as 110 páginas, a tendência é que o leitor venha a ser ferido, tocado e arrebatado pelos textos viscerais.

Carrascoza, um experiente e premiado escritor paulista, reuniu contos bem escritos e que apresentam pontos de contato temáticos. Todas os enredos apresentam situações nas quais os personagens serão feridos e marcados pela máquina do mundo. Afinal, como diz um dos narradores, a vida tende a arrebentar as fundações de nossa felicidade.

O conto "Poente" auxilia na compreensão da literatura de Carrascoza. Pouco antes de um final de tarde, um casal se encontra para aquele que será o último momento a dois. O casamento acabou, e nada mais cola os cacos do que se quebrou. No entanto, falta contar essa novidade ao filho: "O menino, tão cedo para o sol se pôr de seu rosto."

Dói, e a palavra é essa mesma, dói ler toda e cada linha desse livro comovente. Dói porque as situações apresentadas já aconteceram ou, fatalmente, tendem a se materializar na vida do leitor. Carrascoza escreveu 11 contos que, individualmente, e mesmo em panorama, funcionam como um espelho para a trajetória de todo homem e cada mulher.

Da dor e dos golpes implacáveis dos alfinetes e espinhos que estarão, como as pedras, no meio de todos os caminhos, ninguém escapa. A obra desse autor faz ver, lembrar e pensar nisso.

Em "Ajuda", um personagem perde o irmão, enquanto em "Coração", uma criança presencia o pai morrer de um mal súbito.

Mas Espinhos e Alfinetes é bem mais do que um desfile de lágrimas e tragédias irremediáveis. Muito além dos enredos, por si só desconcertantes e arrebatadores, o livro foi construído a partir de uma concepção que leva em conta a linguagem. Carrascoza é um inventa-língua que dispara e acerta frases certeiras, que flertam com a poesia, com uma beleza que comove pela música, sonoridade e ritmo sedutores.

Basta abrir o livro, ao acaso, na página 63 por exemplo, para encontrar momentos únicos do idioma escrito por Carrascoza: "Na memória, eu engatava aquele tempo em que vivia o espraiamento, a época de somar descobertas, antes que as perdas silenciosamente viessem e, aos poucos, nesse hoje, me tomassem por inteiro."

Espinhos e Alfinetes é um livro de contos que reúne unicamente textos bons, algo raro, uma vez que é praticamente regra um autor publicar livros de contos com apenas um texto de qualidade e outros ruins, somente para dar corpo à obra.

2010 ainda está na metade e não é exagero apontar Espinhos e Alfinetes como um dos pontos altos do mercado editorial brasileiro neste ano. Se o livro vier a ganhar prêmios literários, não será nenhuma surpresa.

Serviço:

Espinhos e Alfinetes. João Anzanello Carrascoza. Record. 110 págs. R$ 34,90. GGGG

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