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O surto desenvolvimentista se deu em direção ao Leste, rumo à divisa com o Brasil | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
O surto desenvolvimentista se deu em direção ao Leste, rumo à divisa com o Brasil| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

O sociólogo paraguaio José Nicolás Morínigo lembra que o comércio de terras públicas a partir de 1885, pouco depois da Guerra do Paraguai, permitiu a formação dos grandes latifúndios no país. As terras eram vendidas na bolsa de Londres e de Buenos Aires, por exemplo. "Por isso, a relação mais dependente se registra com a Argentina e não com o Brasil, sobretudo pelas limitações nas possibilidades de comercialização fluvial", diz Morínigo. A dependência econômica com o Brasil é mais recente, sobretudo como consequência da compra de terras por brasileiros no leste paraguaio, já que no estado brasileiro do Paraná o preço era muito superior.

O governo brasileiro, por sua vez, realizou empréstimos para facilitar a construção de rodovias asfaltada no país vizinho, criando um vínculo ainda maior do Paraguai com o Brasil. Tão logo eram beneficiados pela reforma agrária, paraguaios passaram a vender a colonos brasileiros apenas os direitos de suas terras, uma espécie de contrato entre o campesino e o extinto Instituto de Bem-Estar Social, hoje Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), que se comprometia a entregar a posse da terra assim que ele terminasse de pagar por ela. Mas a presença estrangeira em solo guarani começou a provocar conflitos no campo, sobretudo partir do início da década de 80.

Na avaliação do médico Alfredo Boccia Paz, um "investigador do passado recente" do Paraguai, a corrupção e a falta de uma política séria de desenvolvimento fez com que as relações com os vizinhos fossem ainda mais assimétricas. Stroessner, por exemplo, fez uma política pendular porque lhe pareceu mais favorável uma aproximação com seus semelhantes de farda no Brasil. O ditador iniciou então a "marcha para o Leste". Firmou com o país na década de ‘950 o acordo para construção da Ponte da Amizade (concluída em 1965) e iniciou negociações na década de 60 para a construção da usina de Itaipu, concluída em 1982.

Para Morínigo, o país deve modernizar seu estado e estabelecer um poder político fundado em novos enunciados. "Os partidos políticos devem começar a pensar que a história já não é uma conseqüência da revolução industrial. Agora se vive em tempos diferentes. A revolução nas comunicações tem alterado de forma significativa a economia, a sociedade e a cultura. Hoje predomina uma economia globalizada, uma sociedade em rede e uma cultura da virtualidade real. Isso afeta não só as características da estrutura social, mas também a estrutura econômica e a forma de construir ou de fazer cultura. Só com uma modernização útil para o século 21 o Paraguai terá possibilidades reais de negociar com outros países.

Uma triste ironia de caráter econômico

Por uma ironia histórica, os países que há 140 anos se juntaram para devastar o Paraguai na maior batalha armada da América do Sul hoje são os que mantêm sua economia de pé. Dois terços do que o país exporta são comprados por Argentina, Brasil e Uruguai (32%, 20% e 14%, pela ordem, segundo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil). Está claro, portanto, que não é só de contrabando, narcotráfico e roubo de carros que se faz a relação entre brasileiros e paraguaios. "Não se pode ver simplesmente o Paraguai como um país de de­­linqüentes frente a outros países onde tais problemas não existem", diz o sociólogo José Nicolás Morínigo.

Os brasileiros estão no Paraguai tanto para o bem quanto para o mal. Se os dedicados à agricultura fizeram da fronteira leste a porção mais rica do país, onde o PIB per capita chega a US$ 10 mil, mais que o dobro da média nacional, aqueles metidos no narcotráfico fizeram dessa mesma região a mais violenta. Muitos saem do Brasil para delinquir do outro lado da fronteira, constata o médico e pesquisador paraguaio Alfredo Boccia Paz. São brasileiros os maiores narcotraficantes que atuam entre Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero, uma fronteira seca de livre trânsito. Os paraguaios são, no máximo, gerentes locais do negócio.

Aos olhos distantes dos brasileiros, no entanto, a culpa é sempre dos paraguaios. Para Morínigo, é necessário um nível aceitável de sinceridade para tentar buscar soluções. "É claro que nos sentimos incomodados com essa avaliação, que não só é depreciativa, mas, sobretudo, parcial e limitada. É um reducionismo, um reduzir equivocado, transferir toda a culpa à população paraguaia, uma sorte de relações entre anjos e demônios. Um perigoso maniqueísmo que costumam levar ao fanatismo antes que à racionalidade sensata que pede e busca comprovações às afirmações", diz.

"Não se pode esquecer que muitos brasileiros acorrem todos os dias bem cedo a trabalhar no lado paraguaio e que muitos brasileiros vivem do comércio fronteiriço que deve ser normalizado mediante o cumprimento das leis", diz Morínigo. "Deve-se estabelecer mecanismos razoáveis para a comercialização e para que os brasileiros também possam trabalhar em um comércio lícito. E, em terceiro lugar, estabelecer mecanismos de controle adequados e eficientes", conclui.

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