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Imagem que compõe a série Busca-me, que foca a questão da memória | Boris Kossoy/Divulgação
Imagem que compõe a série Busca-me, que foca a questão da memória| Foto: Boris Kossoy/Divulgação

Conhecido como o grande historiador da fotografia brasileira, o paulistano Boris Kossoy centrou sua carreira no chamado realismo mágico, que, segundo ele, busca "a alteração de uma ordem estabelecida". Os elementos de mistério que permeiam as cenas do cotidiano urbano e da natureza estão presentes em suas obras. Formado em Arquitetura, mas apaixonado pela arte de fotografar, Kossoy tem trabalhos espalhados por importantes instituições, como o Museum of Modern Art de Nova York (EUA), Bibliothèque Nationale de Paris (França), Centro de la Imagen (México), Smithsonian Institution em Washington (EUA), Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo, o fotógrafo, que participa hoje, às 16 horas, do Stop Fotográfico, em Curitiba (mais informações no site omicronestudio.com.br/stop-fotografico-2013), falou sobre o atual momento da fotografia; do seu último projeto, Busca-me; e do tema de sua palestra no evento deste sábado.

Como o senhor analisa o atual momento da fotografia brasileira?

A fotografia brasileira vive um momento especial em sua história, um momento de crescente destaque e reconhecimento no contexto das artes visuais. Mas isso não ocorre por acaso, resulta de uma forte base estabelecida nos últimos 30 anos. Se hoje publicar livros de e sobre a fotografia é algo mais ou menos comum, tal não se dava no período anterior. O mesmo poderíamos dizer sobre o interesse crescente que ela tem despertado na academia: dissertações e teses vêm se multiplicando em todo o país centradas na fotografia, seja como objeto de estudos em si mesma, seja como instrumento de apoio a pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. Exposições individuais e coletivas de diferentes naturezas ocupam os espaços expositivos em todas as regiões, inclusive na mídia. É natural que esta notável expansão despertou o interesse de milhares de jovens para a fotografia. O fenômeno esta em curso e resta observarmos que essa enorme demanda nada tem a ver com a qualidade dos trabalhos nas diferentes áreas mencionadas; um fotógrafo não se forma da noite para o dia.

A facilidade de tirar fotos hoje, quando qualquer pessoa pode estar equipada com um celular, tablete ou máquina digital, diminui a importância de um fotógrafo profissional?

Em absoluto, ao contrario, estabelece a diferença entre os inúmeros apertadores de botão e os verdadeiros fotógrafos, pois como mencionei na pergunta anterior, a formação de um fotógrafo é demorada: requer aprendizado, experiência, conhecimento, técnica apurada... e cultura, e tal não se adquire nos cursos, depende do esforço e talento individual. De outra parte, não podemos desconhecer a importância desses dispositivos eletrônicos de gravar imagens, por vezes de situações únicas onde não se achava a imprensa. Sob este ponto de vista, prevalece a importância do fato documentado, não importando quem o tenha registrado: um profissional, um amador, ou alguém portando um celular; neste sentido, prevalece o valor do testemunho; uma foto, um pequeno vídeo, podem desestabilizar todo um sistema, mudam a história.

E a sua opinião sobre o mercado da fotografia de arte no país?

A fotografia teve de esperar muito para ser compreendida além de suas aplicações tradicionais, de seu papel utilitário. Teve que esperar muito para ser compreendida – e respeitada – como forma de expressão individual, autoral e, finalmente, ser recebida com tapete vermelho no grande salão iluminado do mercado [das artes]. O fenômeno não é nacional, vem ocorrendo em todas as partes e devemos dar tempo ao tempo para sabermos exatamente o lugar que a fotografia ocupará dentro de alguns anos, e como se comportará este "mercado da fotografia de arte". Ainda é cedo para emitirmos opiniões. De qualquer modo, é interessante observar que este mercado venha se constituindo justamente num período em que a fotografia ocupa os monitores individuais, porém num trajeto de emissão-recepção-emissão ininterrupto e democrático e, em escala planetária: uma massiva circulação jamais imaginada. Neste sentido, um dos aspectos positivos deste circuito das artes que se afirma, todavia, tem alavancado indiretamente o interesse pelo complemento indispensável da imagem fotográfica, que é o de voltar a ser ampliada e produzida sobre suportes físicos; os cursos e escolas especializadas de fotografia devem rapidamente perceber o alcance disso, pois a fotografia volta a ter importância, também, como objeto expositivo, independentemente do chamado "mercado". É fundamental que as imagens possam ser apreciadas também junto àqueles que as sintam como um artefato bem executado, competentemente pensado na sua forma, de modo a valorizar novamente a sua existência física, sua textura e tons, sua matéria, sua natureza expositiva, que, em nada interfere em sua natureza reprodutiva: as duas faces de sua existência e circulação, uma não exclui a outra. O monitor sim, mas além do monitor também, para todos aqueles que ainda preservam o gosto pelo objeto-imagem.

Como surgiu a ideia para o projeto Busca-me?

Busca-me dá continuidade a minha obra dos últimos anos. Tem como fio condutor a mesma motivação de minhas séries anteriores, iniciadas em 1970, na linha do realismo fantástico, mas com o foco mais centrado na questão da memória. Não a dos fatos passados de nossa própria historia, mas a de fatos que podem ter sido por nós vividos em Outros Tempos: memórias anteriores. Este é um mistério que, vez ou outra, passa pela mente de todos nós [até mesmo dos mais cartesianos que evitam o assunto]; e surge a pergunta: se aquela porta blindada é o fim conhecido, existirá algo além dela? Nas imagens de Busca-me não existem fantasmas, apenas cenas comuns que ocorrem no cotidiano do indivíduo, em diferentes lugares e épocas, mas que temos uma forte intuição que nos dizem respeito. A realidade, nas minhas imagens, são sempre o meu ponto de partida. Em Busca-me, o voyeur segue sua caminhada em busca de personagens, lugares e situações pretensamente conhecidas. Vividas? Um roteiro imaginado, entre muitos outros, de situações, prazeres, amores, perfumes e dores que afetaram para sempre seus sentidos. Rememorações talvez? De qualquer modo, impressões/imagens fugazes que, vez ou outra, flutuam em nossas mentes, sem formas definidas, no entanto, curiosamente familiares. Passando por determinado lugar, uma motivação interior o estimula a registrar algo, alguém. Intuição, quem sabe?

Fale um pouco sobre o tema da sua pales­tra em Curitiba: O Auto­biográfico na Fotografia de Expres­são Pessoal.

A imagem fotográfica, ao contrário das biografias ou autobiografias escritas, se caracteriza pela sua singularidade, pelo objeto único, onde as imagens dos mais distintos temas são obtidas em momentos, lugares e circunstâncias específicas, isto significa que o receptor apenas é informado sobre aquilo que efetivamente se acha representado no interior do retângulo. A imagem fotográfica é fragmentária, essa é a sua natureza: cada registro é "um". Mas, ao mesmo tempo, ela é um duplo testemunho: por aquilo que nos mostra do mundo e pelo que nos faz saber sobre seu autor; neste sentido, cada imagem traz em si um traço do espírito criativo e cultural do seu criador. Meu trabalho autoral reflete aspectos de minha história de vida, detalhes muito particulares de minha experiência, porque, ao fim e ao cabo, estamos sempre buscando ou reconhecendo na realidade imediata algo que, por alguma razão nos comove, emociona, intriga. Não raro, fotografamos certos assuntos intuitivamente e depois acabamos nos esquecendo dessas imagens, que permanecem hibernadas por meses ou anos. De súbito, revendo-as, percebemos nelas algo que nos diz respeito, descobrimos ou lembramo-nos de algo que tem a ver com a nossa infância, algo que nos parece ser um cenário conhecido, alguém que lembra alguém, às vezes um corpo, um gesto, um olhar. Estas descobertas são puramente autobiográficas. Seriam as datas biográficas de cada um os marcos extremos dessa viagem?

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