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 | Ilustração: Ricardo Humberto
| Foto: Ilustração: Ricardo Humberto

"Estamos sozinhos"

O escritor porto-alegrense Altair Martins trabalha com educação há bastante tempo. Tem passagens por diversas instituições de ensino gaúchas, além de ter sido o responsável pela cadeira de Conto no hoje extinto Curso de Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos, no Rio Grande do Sul. É autor dos livros Dentro do Olho Dentro, Como se Moesse Ferro, Se Chovessem Pássaros e A Parede no Escuro, este último vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2009.

Leia a entrevista com Altair Martins, professor e escritor

O ABC da ficção

O G Ideias perguntou a 18 jovens autores brasileiros quais foram suas excursões literárias escolares mais marcantes. As impressões variam; de certo, sabe-se apenas que, mesmo os que viveram situações negativas, não abandonaram a vida entre livros.

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Uma história legal e real

Paulistana de nascimento, Fernanda Boechat viveu em Marília, no interior de São Paulo, dos 8 aos 18 anos. Foi numa escola de lá que conheceu Sônia, professora de literatura que seria fundamental à sua formação pessoal e profissional. Sônia dispensava embasamentos teóricos formais. Lia em voz alta os textos que adotava, promovia encenações teatrais retumbantes, escalava a mesa à moda de Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos; o bastante para encantar a menina que, poucos anos mais tarde, faria o vestibular para o curso de Letras. Hoje, aos 27, Fernanda, tradutora e professora de língua alemã, está terminando o mestrado na UFPR e, desde fevereiro, trabalha oficialmente como mediadora de leitura.

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O menino Moacyr — assim batizado em homenagem ao filho de Martim e Iracema, personagens de José de Alencar — jamais soube dizer quantas vezes copiou à mão as vinte primeiras estrofes de Os Lusíadas. Na escola, era castigo corriqueiro: quem não se comportasse bem durante as aulas que fosse logo reproduzir o Camões em letra redonda e caprichada, 160 versos, das armas e barões assinalados até o neto gentil do velho Atlante. É evidente que, após dezenas de cópias mal redigidas, ninguém conhecia melhor a obra camoniana do que o reincidente Moacyr. Por outro lado, ninguém a odiava mais. Afinal, perguntava-se o pequeno condenado, como gostar de uma ferramenta de tortura? Pois o escritor gaúcho Moacyr Scliar — morto em fevereiro, aos 73 anos — também já perdera a conta das vezes em que narrara este episódio durante suas inúmeras palestras para professores e estudantes Brasil afora. No entanto, não cansava de voltar à questão: como tratar a literatura em sala de aula, como apresentá-la à juventude? É certo que, para sua turma, a experiência resultara em trauma. Tanto que, ao fim de cada ano letivo, seus colegas já aprovados voavam à praça mais próxima, onde, num ritual cheio de significados óbvios, queimavam seus livros usados. A fogueira era mais que o símbolo de uma relação incipiente e fracassada; era ódio puro.

Carlos Machado — autor do romance Balada de uma Retina Sul-americana — lembra muito bem de uma das várias visitas recentes que Scliar fez ao Colégio Bom Jesus, em Curitiba. Falando aos estudantes, o escritor decidiu ler para eles alguns trechos de seu livro A Mulher Que Escreveu a Bíblia, à época na lista do vestibular da UTFPR. A reação dos alunos foi inesperada: eles se deixaram emocionar facilmente pelo teor dos excertos selecionados por Scliar. Aqui, torna-se quase desnecessário dizer que a leitura envolvia humor e certa sensualidade sutil, e que, somado ao carisma de Scliar, foi exatamente isso que estimulou os adolescentes, os fazendo correr atrás de uma obra que mal conheciam, e com uma sanha inédita. De tão intenso, aquele entusiasmo acabou por levar alguns professores, de outras disciplinas, a procurar Machado em sua sala. Queriam saber o que havia de tão sedutor naquele livro que, de repente, todos estavam lendo. Machado — que além de professor de inglês e literatura, é gestor das Oitavas e do Ensino Médio do Bom Jesus Centro — tranquilizou a todos: efeito melhor impossível; estava dado o pontapé inicial, o interesse fora criado. Agora era com os leitores, seus alunos.

Desejo e realidade

É claro que nisso tudo se injeta uma boa dose de fé e romantismo; é mais desejo e exceção que realidade. A apatia dos brasileiros em relação à leitura não é assim tão fácil de exterminar e, enredado no tema há doze anos, Carlos Machado conhece muitas outras de suas implicações. Pessoalmente, conta que a escola o ajudou: só se tornou escritor por ser um bom leitor, e que deve isso, em parte, a seus professores de literatura — em especial a um deles, que, na segunda série do Médio, mostrou-lhe o romance Trapo, de Cristovão Tezza. A educação de hoje, porém, estaria presa a pragmatismos mais urgentes. Para termos uma triste noção desse enrosco, basta que façamos uma pergunta prática: atualmente, para que um adolescente estuda? De forma geral, afirma Machado, é para ter uma educação, e, mais especificamente, para passar no vestibular. Essa é a expectativa dos alunos — e também a de seus pais. "Não adianta fugir", explica. "É preciso trabalhar com os livros do Enem e do vestibular. O professor e a escola que não fizerem um trabalho específico para esses objetivos terão problemas."

O escritor Cezar Tridapalli, autor do romance Pequena Biografia de Desejos e coordenador de Midiaeducação do Colégio Medianeira, também enxerga o fato de o ensino de literatura para os adolescentes brasileiros ser diretamente ligado ao exame vestibular como um complicador extra. Tridapalli, que já foi professor de literatura por onze anos, diz que outro problema é a profusão de listas. "Se o aluno for fazer vestibular em três ou quatro instituições diferentes, ele pode acabar com 30 livros para ler", conta. "Sabe quando ele vai fazer isso? Nunca." E essa dificuldade por si só já empurraria muitos alunos à leitura rasteira dos famigerados resuminhos de livros cobrados nos exames.

Além disso, também faltaria arejamento à seleção das obras exigidas. "Sei que o pessoal que faz a lista da UFPR é bom e sério, mas por que tanto livro do século 19 para trás?", pergunta Tridapalli. "Entendo a necessidade de valorizar nossa história, dialogar com a tradição, conhecer alguns cânones, mas não dava para colocar uns três nomes representando os séculos 17, 18 e 19, mais uns três modernistas, mais uns três contemporâneos ‘de verdade’ e, entre eles, um paranaense?" Para o coordenador, esse descompasso ajuda a alimentar, entre os jovens, o equívoco de que "a literatura é um negócio velho, escrito por velhos que já se foram, que serviu para pensar um tempo que já passou e que, hoje, não tem nada que preste. Nada que tenha algo a dizer para a sensibilidade contemporânea".

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