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Simples e eficaz

Divulgação

Natália Garcia, do Cidade para Pessoas: mais sinalização e infraestrutura

A jornalista Natália Garcia, do projeto Cidade para Pessoas, elencou alguns exemplos que coletou por metrópoles do mundo, e que podem facilitar a vida de quem caminha:

Criar continuidade para pedestres no planejamento urbano. Ou seja, quem está andando nunca deve ficar sem espaço. As ruas de Copenhague (Dinamarca), são um bom exemplo.

Natália cita uma ideia simples: colocar mapas pela cidade que situem o pedestre. "Em Londres, tem um totem com um mapa a cada três quilômetros, mostrando as direções e tudo o que há num raio de cinco quilômetros. É uma placa que te ensina a andar a pé. No Brasil, só sinalizamos a cidade para carros."

Infraestrutura de qualidade, com calçadas acessíveis, que não estejam quebradas, sejam bem iluminadas e tenham tamanho adequado para circulação.

Movimentos que ocupem a rua. Em Paris, a jornalista conta que existem vários passeios temáticos a pé pela cidade, o que ajuda o cidadão a ter uma outra relação com o espaço.

Ruas fechadas para a cultura. Em Bogotá, a avenida principal é bloqueada aos domingos para manifestações artísticas, o que contribui para que um motorista, por exemplo, se transforme em um pedestre eventual, o que gerará mais tolerância ao dirigir.

"O manual de segurança do pedestre diz que ele tem direito de fazer a travessia tranquilamente, mesmo que a sinalização feche neste trajeto. O motorista não pode acelerar, buzinar ou adotar qualquer medida de pressão." - Eduardo José Daros, fundador e presidente da Associação Brasileira de Pedestres.

"O pedestre, e também o ciclista e o usuário de transporte coletivo não são valorizados, a economia não funciona por conta dessas pessoas. Vivemos a cultura do carro, somos educados desde cedo para fazermos 18 anos e tirarmos carteira de motorista." - Andréa dos Santos Nascimento, psicóloga e conselheira na área de trânsito do Conselho Federal de Psicologia

"Só poderemos exigir que o pedestre faça a sua parte quando pudermos garantir que ele não vai morrer atropelado, que o motorista vai parar na faixa. Muitos condutores argumentam que não dão vez porque o carro que vem atrás pode bater. Isso não aconteceria se a velocidade máxima fosse reduzida na cidade para veículos motorizados." - Alessandra Bianchi, coordenadora do Grupo de Trânsito e Transporte Sustentável da UFPR

Caminhos interligados

Espaços exclusivos para pedestres, como a Rua XV de Novembro, e projetos como o calçadão na Cândido de Abreu, parte do PAC da Copa, ajudam a gerar novos comportamentos e percepções sobre a cidade

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No trânsito das metrópoles brasileiras, há um embate tão antigo quanto recorrente – a batalha entre carros e pedestres. Exemplos de imprudência de ambos os lados são visíveis no cotidiano, e se resumem a uma palavra: intolerância. É ela quem parece reger o tráfego, colocando motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres em um círculo vicioso: se não há respeito por mim, não respeitarei o próximo. As consequências desse comportamento se refletem em tristes estatísticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) mais de 1 milhão de pessoas morrem por ano vítimas dessa violência. Os atropelamentos no Brasil, de acordo com levantamento do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), matam 9,5 mil pessoas anualmente, média que se manteve de 2006 a 2010.

Apesar do erro conjunto, fica a pergunta: quem leva a pior? Os especialistas consultados pela Gazeta do Povo salientam que o pedestre é, sim, o mais frágil nesta cadeia, já que não existe nenhuma estrutura que o proteja. Além disso, ele acaba, mesmo sem querer, entrando na dinâmica desrespeitosa que impera. "A lei de trânsito é clara, o motorista é o principal responsável. É óbvio que pedestres também cometem erros, mas muito menos do que os motoristas, que não conseguem compreender o quão frágil é o pedestre. A chance de ele sobreviver a um atropelamento é muito menor do que um condutor que sofre um acidente", reitera a coordenadora do Grupo de Trânsito e Transporte Sustentável da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Alessandra Bianchi. Ela também salienta a falta de proteção em relação à legislação. "Não existe lei para o pedestre, e ele sobrevive como pode. É cada um por si e Deus por todos."

O arquiteto e assessor de planejamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Reginaldo Reinert, responsável pelo projeto do calçadão na Avenida Cândido de Abreu (leia mais na página ao lado), frisa que é preciso lembrar de que todo mundo, antes de qualquer outra coisa, é pedestre. "E a cidade tem de se preparar para colocar as pessoas na rua, priorizar o encontro, que continua sendo a tônica da cidade." Outro problema é que o trânsito não é percebido como um fenômeno coletivo. "O mundo caminha para um individualismo e cabe à cidade devolver essa consciência global."

Privilégio

Nas ruas, o que se enxerga é uma infraestrutura que promove o automóvel, diz a psicóloga e conselheira na área de trânsito do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Andréa dos Santos Nascimento. "Há um privilégio do automóvel individual em detrimento dos outros. Percebemos isso na composição e no planejamento urbano, que aumenta as vias para os veículos e diminui as calçadas."

Passeios danificados, regiões sem caminhos, desrespeito pela faixa de pedestre e sinalização falha (como o tempo muito curto do semáforo para atravessar a rua) são os quatro problemas mais visíveis que dificultam a vida de quem anda a pé. Esses gargalos também refletem a falta de base para os pedestres nas cidades, o que, inclusive, fere o Código Brasileiro de Trânsito (CBT), que destaca que o trânsito em condições seguras é um direito do cidadão. "Curitiba – quando era pioneira – começou a priorizar o transporte público e o pedestre na década de 1970. Continuou, só que mais focada em alguns corredores ou zonas. Hoje, com a dispersão de movimentos por toda a cidade, não há projetos claros e específicos para tratar os movimentos de pedestres, ciclistas ou linhas de transporte", critica o engenheiro civil mestre em Engenharia de Transporte pela Universidade de Leeds (Reino Unido), Alan Cannell.

Essa reprodução do modelo que enfraquece quem não possui um veículo individual está fortemente relacionada ao mecanismo da economia brasileira, que tem na indústria automobilística um de seus pilares. A redução de IPI pelo governo e as condições mais facilitadas de financiamente levam a pessoa que usa o transporte coletivo, por exemplo, a comprar um automóvel com facilidade. "É o sonho do camarada que pega ônibus todos os dias, já que temos em Curitiba um transporte coletivo horrível, apenas excelente em termos de marketing. Esse passageiro desembarca e vira pedestre, e está sujeito a atropelamento, a assalto. Não dá para competir com a publicidade e com tudo o que dissemina o modelo do carro. É algo ousado", crê o engenheiro mecânico e presidente da Sociedade Peatonal, André Caon, que também chama atenção para o fato de que a estrutura para o transporte individual é muito mais cara do que a para pedestres, ciclistas e modais coletivos.

Mundo

Idealizadora do projeto Cidade para Pessoas, a jornalista Natália Garcia, que está percorrendo várias capitais do mundo para apontar boas práticas e conceitos que têm melhorado as cidades para seus moradores, afirma ter "tomado um susto" na primeira vez em que atravessou uma rua em Copenhague, na Dinamarca: nenhum pedestre precisa correr, a sinalização é eficaz e o tempo para a travessia é adequado (em alguns casos, mais de 30 segundos). "Tudo é feito com calma e tranquilidade", conta. As políticas públicas de mobilidade também surpreenderam Natália, já que, até 2025, a capital quer aumentar em 20% os deslocamentos a pé, que hoje representam um índice de 27%. "Eles concluíram que há um grande benefício econômico, pois diminui problemas de saúde e gastos de infraestrutura. Essas políticas pensam sustentabilidade e economia, coisa que o Brasil ainda não sacou."

Atitudes

Enquanto não surgem melhores condições para o pedestre, o presidente e fundador da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe) , Eduardo José Daros, recomenda "ter paranoia". "O pedestre, infelizmente, não conta com uma segurança homogênea. Por isso, nunca é demais olhar para todos os lados possíveis, inclusive para baixo e para cima, verificando se há danos na calçada ou se há caminhões passando com lona solta derrubando alguma carga. Isso é comum em São Paulo. Também é preciso fazer contato visual com o motorista quando se passa por uma garagem, por exemplo. Ele pode estar distraído e não te ver. A cautela ainda é a solução." Os especialistas também defendem a necessidade de se elaborar mais campanhas educativas no trânsito, porém, os modelos propagados atualmente são questionáveis, avalia Caon. "Claro que é importante, mas, se fosse assim, não teríamos mais problemas. Era só fazer campanha que ninguém mais roubaria então. O que funcionaria é outro pensamento urbanístico e econômico." A professora Alessandra Bianchi confia nas ações de educação, desde que ocorra fiscalização posterior. "Não adianta só mostrar o que não pode, tem que multar se não estiver correto."

A psicóloga Andréa dos Santos Nascimento lamenta a dialética agressiva nas ruas para o pedestre. "Vivemos em uma lógica cruel, de que a pessoa que está no carro é superior. É uma ideia individualista. Falta cidadania e solidariedade no trânsito, que as pessoas sintam o espaço público como de todos."

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