
O salva-vidas Donato, protagonista de Praia do Futuro, longa-metragem do diretor cearense Karim Aïnouz que estreia hoje nos cinemas brasileiros, já havia, de certa forma, dado o ar de sua graça antes na obra do cineasta (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo). No curta-metragem Paixão Nacional, filmado em película 16 milímetros há duas décadas, no início de sua carreira, Aïnouz (de O Céu de Suely) havia contado a história de um jovem nordestino de classe média baixa que, ao mirar a imensidão do oceano, sonhava em partir e reconstruir sua vida em outro lugar.
Vivido com uma sutileza ao mesmo tempo sensível e feroz pelo ator baiano Wagner Moura, Donato é, nas palavras de Aïnouz, um cearense típico em muitos aspectos. "Fala pouco, é envergonhado. tem pouco a dizer sobre si mesmo", descreve o cineasta, para quem o personagem é mais um elemento da intrigante paisagem da praia de Fortaleza que dá título ao seu filme, um dos lugares onde há maior concentração de sal no mundo, o que faz com que nada por lá dure muito tempo, e tudo se desintegre, inclusive os sonhos.
Em entrevista à Gazeta do Povo, concedida por telefone de São Paulo, Aïnouz afirma que Donato é mesmo um tanto exemplar. Como tantos jovens do Ceará, ele parte, sem olhar para trás. A maior parte pega a estrada rumo ao sul do país em busca de melhores condições de vida, por questões econômicas. Donato, não: seu exílio é de outra ordem. Bem mais existencial, emocional. "Eu também saí de casa muito cedo, aos 18 anos, para conhecer meu pai, que é argelino, e estava exilado na França", contou o cineasta.
Afogamento
Em um dia como outros tantos de trabalho de Donato, dois rapazes alemães, praticantes de motociclismo de aventura, surgem na Praia do Futuro. E mergulham em suas águas salgadas. Um deles se afoga, embora o bombeiro se desdobre em esforços para salvá-lo.
Visto pelo irmão mais novo, Ayrton, como o super-herói Aquaman, Donato sente nos ombros o peso do fracasso e, para se redimir, aproxima-se de Konrad (Clemens Schick). Quer dar-lhe apoio, devolver-lhe o companheiro. O rapaz, um mecânico de Berlim especializado em motos, acaba o atropelando emocionalmente.
Os dois se aproximam e surge entre eles uma paixão, que levará Donato à Alemanha, para uma visita, da qual ele não retornará. E, ao tomar essa decisão, ele apagará seu passado, como o salitre presente no ar da Praia do Futuro.
A vida abandonada por Donato apenas ressurgirá quando Ayrton, agora um rapaz crescido, vivido por Jesuíta Barbosa (de Tatuagem) desembarca em Berlim para lhe cobrar os anos de ausência, o doloroso desaparecimento de Aquaman.
Sensacionalismo
Aïnouz se diz incomodado com o fato de que parte da imprensa brasileira esteja batendo na mesma tecla: a de que seu longa-metragem seria um "filme gay". O fato de a trama ser protagonizada por Wagner Moura, o capitão Nascimento dos ultraviolentos filmes da franquia Tropa de Elite, um personagem associado ao universo da virilidade, tem muito a ver com essa percepção, e perplexidade. Até porque Donato também é um homem que veste farda um bombeiro cujo uniforme é um calção de banho.
"Acho que essa abordagem redutora sequestra o filme, impede leituras mais profundas e complexas que ele merece", diz o diretor. Aïnouz diz não aceitar que um personagem com tamanha complexidade, em decorrência da forma sensacionalista e apressada com que o filme tem sido visto por alguns, seja resumido à sua orientação sexual. "Ele não é apenas gay."
Depois de participar do processo de lançamento de Praia do Futuro no Brasil, Aïnouz vai preparar a estreia do longa na Alemanha como se trata de uma coprodução entre os dois países, com um ator alemão conhecido no elenco, o filme, bem recebido no Festival de Berlim deste ano, chega aos cinemas de lá em setembro. Depois será lançado na França, Inglaterra e nos Estados Unidos, onde deve estrear em janeiro.




