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O quarteto está comemorando a conquista do Disco de Ouro | Divulgação/Prime Shows
O quarteto está comemorando a conquista do Disco de Ouro| Foto: Divulgação/Prime Shows

Reencontro com Santinha

Quando foi internada, em novembro do ano passado, Nair Bello era artista contratada da Rede Globo. Estava de volta à personagem Santinha, do começo de sua carreira, resgatado pelo programa humorístico Zorra Total, exibido sábados à noite.

Nair estava escalada para integrar o elenco da novela das sete da Globo, Pé na Jaca, de Carlos Lombardi, interpretando dona Gioconda. Quando foi hospitalizada, o diretor Ricardo Waddington anunciou que Arlete Salles seria sua substituta. O personagem, tia da vilã Vanessa (Flávia Alessandra), não decolou. Havia sido feito sob encomenda para Nair.

São Paulo – A atriz paulistana Nair Bello, de 75 anos, que estava internada em coma há cinco meses, após sofrer uma parada cardíaca na manhã do dia 11 de novembro, em um cabeleireiro, morreu ontem, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Para o público, Nair Bello foi, acima de tudo, comediante, exercitando seus dotes na televisão mais do que no teatro e no cinema (que fez pouquíssimo). Começou no rádio, na Record, há 57 anos.

Essa primeira fase durou pouco, pois Nair se casou e afastou-se por três anos, já que teve, em seqüência, três filhos. Não dava, num primeiro momento, para conciliar a maternidade com o trabalho. Em 1956, voltou à ativa, mas em vez da rádio, foi para a TV Record, onde, em 1959, Blota Jr., percebendo seu potencial cômico, convidou-a para fazer um humorístico. Nair criou uma italiana, a Santinha, ao lado de Roberto Corte Real, que fazia Epitáfio, e o programa Show Ideal foi um sucesso.

Desde então, nunca mais parou de fazer rir. Paulista do Cambuci, Nair Bello Sousa Francisco nasceu no dia 28 de abril de 1931, sob o signo de Touro. Cresceu em meio a uma grande concentração de italianos, que são maioria no bairro. Ela própria, era neta de italianos. Terminou rotulada. Numa entrevista, disse certa vez: "Se tem italiana na trama, eles não pensam duas vezes. Chamam a Nair."

Carlos Lombardi

Antes de virar referência nas novelas de Carlos Lombardi, autor que sempre a admirou, ela fez muitas séries e minisséries. Em 1978, fez João Brasileiro, de Geraldo Vietri, na Tupi; em 1980, Dona Santa, na Bandeirantes. Sua motorista de táxi fez história na TV. Seguiu-se Casa de Irene, ainda na Band.

Nair Bello só foi fazer novela na Globo mais tarde. A primeira, em 1980, foi de Geraldo Vietri, uma adaptação do romance Olhai os Lírios do Campo, do escritor gaúcho Erico Verissimo. Fez, na seqüência, Perigosas Peruas, de Carlos Lombardi; o Mapa da Mina, de Cassiano Gabus Mendes. A partir daí, não parou mais, intercalando novelas, e programas humorísticos.

Foi Carlos Manga, em 1962, que a levou para o Rio, onde estreou no quadro O Riso É o Limite, no programa de J. Silvestre. Em 1975, perdeu um filho e quase enlouqueceu, segundo suas próprias palavras. A família e os amigos a incentivaram a trabalhar. Fez uma peça – Alegro Desbum, de Oduvaldo Viana Filho. Embora sua figura estivesse sempre associada a humor, Nair achava difícil fazer comédia na TV.

No começo da carreira, era fácil, mas quando ela foi para a Globo e os programas, incluindo as novelas, passaram a ser gravados com antecedência, ela passou a achar que estava perdendo a espontaneidade e a autenticidade. O bom, no tempo dos programas ao vivo, era que não se podia errar e, se errava, tinha de consertar rapidinho, disse numa entrevista.

Hebe

Como Roberto Carlos, ela não usava marrom, de jeito nenhum. Nair Bello era supersticiosa, mas, acima de tudo, como gostava de se definir, era perua. Quando fez a Gema de Perigosas Peruas e, depois, a Cininha de A Viagem, duas novelas muito populares, ela emprestou vários pertences pessoais à produção, para criar as personagens.

Nair adorava roupas coloridas, unhas pintadas de vermelho sangue, batom (vermelhão, por sinal, a cor da moda atual), cílios postiços, brincos grandes. Tudo isso, e mais outros itens, compõem os dez mandamentos da perua, que ela afirmava seguir, religiosamente. O mundo desde ontem ficou um pouco menos colorido.

Adorava dois dedos de prosa com a "comadre" Hebe Camargo, do SBT. Tinham o projeto de uma peça juntas, que nunca fizeram. As americanas Lucille Ball e Shirley MacLaine a impulsionaram a virar artista e a se tornar comediante, mas ela também tinha suas preferências nacionais – Dercy Gonçalves era hors concours, a mãe do riso, mas Nair Bello dizia que Consuelo Leandro, Marília Pêra e Fernanda Montenegro faziam rir como ninguém. Entre os homens, admirava Roberto Corte Real, Ronald Golias e o patrão Chico Anísio, no Zorra Total.

Com sua morte, é toda uma fase do humor que chega ao fim na TV. Um humor mais tradicional que ainda sobrevive no Zorra, mas que foi sendo substituído por outro estilo – o do pessoal Casseta e Planeta, por exemplo.

Perua

Assim como a peça nunca concretizada com Hebe, Nair Bello tinha o projeto de um filme, que também nunca saiu, contando sua história. O cinema foi sempre esporádico em sua carreira, mas em 1951, dois anos depois da estréia no rádio, ela fez um papel em Liana, a Pecadora, melodrama de Paulo Tibiriçá interpretado por Márcia Real, no qual não apenas Nair, mas também Hebe Camargo fazia um pequeno papel. Entre outros filmes, participou de Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti, em 1952, e Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Márcio Kogan, em 1988.

E não se pode esquecer de seu papel em Das Tripas Coração, de Ana Carolina, de 1982, filme do meio da delirante trilogia da autora sobre a condição da mulher na sociedade brasileira (e no mundo).

Mesmo quando se assumia como perua, Nair disparava: "Gosto de rir alto, de dizer palavrão. Sou alegre e extrovertida. Dizer que sou perua por causa disso é um preconceito da sociedade, que quer as mulheres muito comportadas e isso eu não sou." A mulher que seguia os mandamentos da peruagem, que abusava dos anéis grandes mas evitava os colares, nunca se sentiu uma árvore-de-natal. "Acho as coisas que uso muito femininas", dizia.

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