Num auditório com pouco mais de 300 lugares, nem os bancos duros de madeira atrapalhavam, na década de 1960, cinéfilos encantados com filmes do italiano Federico Fellini e do francês François Truffaut projetados no Cineclube Pró Arte, que funcionou, há 50 anos, em um espaço do Colégio Santa Maria. Era a maneira de fugir da programação dos outros cinemas de Curitiba, dominada por produções oriundas dos grandes estúdios americanos. O escritor Paulo Leminski e o cineasta Sylvio Back costumavam aparecer. Uma dezena de jornalistas que incluía o crítico de cinema e música Aramis Millarch eram presença garantida.
"Era, digamos, a intelligentsia da cidade que ia lá, mais as pessoas de fora que, como eu, queriam aprender", conta o fotógrafo Dico Kremer, que era aluno do colégio. Foi no cineclube que ele teve o primeiro contato com Leminski, de quem virou amigo depois, e onde conheceu o livreiro Aristides de Oliveira Vignolis, dono da Livro Brás. "Ele era do Partido Comunista, e muito debochado. Compramos muita coisa dele."
Do começo informal das sessões, com projeções feitas pelos Irmãos Maristas esporadicamente, mais especificamente pelo Irmão Ruperto Félix, que era o fotógrafo da escola, surgiram alunos engajados a incentivar ações culturais, entre eles José Augusto Iwersen, que integrava o Grêmio dos Alunos do Santa Maria (GASM) e presidiu o cineclube. "A maneira que vimos para desenvolver o gosto dos alunos por cinema foi realizar sessões com debates. A coisa evoluiu quando a direção do GASM convidou estudantes e professores de outros colégios, e as meninas do Sion e do Divina Providência. Assim, as projeções tornaram-se abertas ao público", relembra Iwersen.
Para frequentar o cineclube, era necessário pagar um ingresso ou tornar-se sócio do Pró Arte, mediante pagamento de uma taxa mensal. "Surgiu um estatuto e pessoas responsáveis por cada setor. Tinha um supervisor escolhido entre os Irmãos Maristas para cuidar da entrada quando o filme tinha censura de mais de 14 anos e da limpeza", explica Iwersen.
A qualidade do conteúdo projetado (filmes de Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Louis Malle, entre outros), que Iwersen conseguia basicamente em uma filial da França Filmes (que existia na Praça Tiradentes) era inversamente proporcional ao espaço físico: os assentos eram de madeira, a "única coisa chata", segundo Kremer, e não existia banheiro. Quem se apertava tinha de correr para as "casinhas" do Santa Maria, que ficavam em outro andar.
Erros na projeção e troca de um rolo de filme por outro eram comuns. "Afinal, um dos projecionistas era o extravagante Estevão Erwin Von Harbach. Brigas e expulsões quando haviam debates eram comuns", diz Iwersen. Em uma ocasião, Dico Kremer foi ao cineclube rever 8 ½, de Fellini. "Logo percebi o erro. Como eu tinha acesso à cabine, fui até lá e disse que ele havia se enganado, e começamos a bater boca. Até que ele respondeu que, para aquele filme, não importava se o rolo estivesse trocado ou não (risos)."
Riviera
Com o sucesso crescente das sessões foi oferecido para Iwersen a gerência do espaço (que seria arrendado por outra pessoa, que acabou desistindo) e aberta uma porta direta para o cinema, na esquina das ruas Marechal Deodoro e Tibagi. Ele então fez um contrato com a MC Filmes, de São Paulo, que lançava produções tchecas no Brasil, e uma reforma geral no cinema, com troca por cadeiras estofadas, levantamento do piso para melhor visibilidade e, claro, banheiros. Surgia o Riviera Cinema de Arte, em 1967. "O lançamento de Um Dia, Um Gato [do tcheco Vojtech Jasny] deixou o cinema cheio por quase três meses", recorda.
Porém, os bons tempos do cineclube não persistiram, mesmo com algumas iniciativas de trazer atores famosos para debater filmes (Glória Menezes e Leonardo Vilar vieram para discutir O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte), e o Riviera fechou poucos anos depois. "Como não me interessava em exibir filmes comerciais resolvi encerrar as atividades. Uma coisa ficou clara: cinema de arte precisa de sala pequena", conclui Iwersen.
Registro
O fotógrafo Dico Kremer pretende reunir em um livro os materiais que têm sobre o Pró Arte e o Riviera. Faltam agora depoimentos de antigos frequentadores, e não há prazo definido para publicação. "Acredito que essa história tem de ser escrita, o cineclube teve um papel muito importante na formação para quem frequentou. Aquilo foi uma aula de como ver o cinema."
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