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Bloch: busca do ecletismo | Cristina Flegner/Divulgação Record
Bloch: busca do ecletismo| Foto: Cristina Flegner/Divulgação Record

Entrevista com Arnaldo Bloch, escritor.

Depois de contar a história de sua família em Os Irmãos Karamabloch (Companhia das Letras), o escritor e jornalista Arnaldo Bloch organiza uma seleção das crônicas que publica semanalmente no Segundo Caderno do jornal O Globo.

O Ciclista da Madrugada reúne 54 textos, agrupados de maneira intuitiva – como o próprio autor explica na entrevista a seguir, concedida por e-mail – e sem referências às datas em que foram publicados. Bloch está mais interessado no universal e menos no factual. Às vezes, escreve usando uma espécie de pressentimento. Não sabe bem por onde ir, mas segue tateando (ou digitando).

Ao narrar as intrigas da família dona da revista Manchete em Os Irmãos Karamabloch e também nas crônicas, um dos trunfos de Bloch é o bom humor. Pode ser na experiência impagável de ver o Big Brother Brasil ou no ato de inventar uma identidade heroica no texto que dá título ao livro.

Quando você se dispôs a fazer uma coluna semanal, procurou ler outros cronistas?

As crônicas para O Globo foram uma consequência natural de uma vocação minha para textos mais autorais, afastados do esquema tradicional, e meu interesse pela criação artística e pela literatura. Em O Globo já fiz de tudo: fui repórter, editor e editor executivo, até perceber que meu negócio era mesmo a escrita, me afastar das atividades administrativas e voltar a ser repórter. A partir daí, à medida que escrevia meus primeiros romances, fui me engajando na linguagem de crônica, produzi séries (sátira de horário eleitoral, por exemplo) até conquistar o espaço que me é hoje concedido pelo jornal, aos sábados, na contracapa do Segundo Caderno.

Nunca fui um leitor voraz de cronistas, não, embora tenha minhas preferências, entre as quais Nelson Rodrigues e Carlos Heitor Cony, pela crueza e pela ironia. Porém, não curto muito essa coisa de ficar canonizando determinadas linguagens e trabalhando sempre em cima desses cânones. Creio que minhas crônicas nascem do vazio, do espanto, da associação livre de ideias, da busca do ecletismo e da liberdade da escrita.

Na sua opinião, qual é a maior qualidade de uma crônica?

A de obedecer a uma lógica própria, individual, singular, que não esteja servindo a uma "escola".

Na linha da pergunta anterior, qual é o maior pecado que um cronista pode cometer?

O pecado que se tornou a moda na crônica de hoje em dia: a de achar que uma crônica tem que ter "utilidade", ser "jornalística" e sempre associada ao factual e a um interesse objetivo do leitor. Essa mania que tomou conta dos cronistas nasce de uma espécie de pânico que eles tem de que o leitor contemporâneo rejeite a subjetividade, o lirismo e os aspectos pessoais, confessionais, a primeira pessoa, que, normalmente, permeam o universo do cronista. É uma pena que ande faltando coragem aos cronistas para enfrentar essa voracidade utilitária e esse ódio ao "eu" de uma parcela grande do leitorado desses tempos e ser fiel aos impulsos criativos que devem reger a crônica.

Por que, na sua opinião, a crônica seria um gênero "tipicamente brasileiro"?

Por que não parece existir, no universo das outras literaturas, nenhum gênero parecido. Qual seria? Nem há uma tradução em outros idiomas para o que é a nossa crônica. O que há de mais próximo seriam os ensaios, mas estes assumem um caráter mais dissertativo. A crônica, como é concebida por aqui, reúne características que são únicas.

Quando o tema é mais ou menos pessoal, como a relação com os porteiros do teu prédio, você tem algum limite? Como você calcula o quanto expor de sua rotina no jornal?

Bom, na crônica à qual você faz referência, em especial, não há nada de desabonador na tal relação com os porteiros, embora a gente sempre ouça piadas homofóbicas dos amigos que querem ver veadagem em qualquer relação com porteiro! Há crônicas muito mais pessoais que esta, que expõem muito mais a mim e até a outras pessoas. O curioso é que é mais comum aquelas que não são identificadas por seu nome reclamarem do que aquelas que aparecem abertamente...

Mas quanto tempo, em média, você dedica a um texto – da ideia à escrita?

Varia muito mesmo, pois cada texto é motivado de uma forma. Uns partem de reflexões e demoram mais dias para terem um desenvolvimento e uma síntese. Outros partem do vazio e podem se configurar como uma torrente: esses são escritos, sei lá, em meia hora, uma hora, e são aqueles que mais me agradam pois vêm de uma região desconhecida, sobre a qual tenho pouco controle. Depois, posso burilá-los, se necessário.

Procurar temas para crônicas é uma tarefa que te consome?

Já consumiu muito e, dependendo do tema finalmente escolhido, o trabalho de construí-las pode ser árduo, ou não. Mas a necessidade de escolher o tema hoje não me preocupa em nada. Se não há tema, vou no vazio e deixo fluir, é o que o Cony, com muita graça, chama de "método digital", não no sentido cibernético, mas naquele de você começar a catar milho, escrever qualquer coisa, palavras que não existem, ruídos, e ver o que sai dali. Escrever em cima de uma imagem pode ser também um caminho interessante, experimental. Aliás, trabalho também as imagens de minhas crônicas, faço desenhos e fotos, e busco uma integração com os textos.

O escritor Cristovão Tezza, colunista da Gazeta do Povo, disse certa vez que a crônica é "a janela dos fatos". Nas suas crônicas, você não costuma se prender ao noticiário para escrever. Com essa primeira coletânea de textos, você arrisca dizer quais suas preferências como cronista?

Não sei se minhas preferências, mas, neste livro, deixei de fora quase todas as crônicas que lidassem com o factual do noticiário e preferi aquelas que se mostraram universais, independentes de algo que tenha uma data específica (as crônicas no livro, aliás, não trazem suas datas e sua disposição é intuitiva).

Uma das marcas do seu texto é o humor. Como você consegue acioná-lo mesmo quando sente, como escreveu, "raiva, tristeza, melancolia, desejo de morrer e vontade de quebrar tudo"?

Creio que isto é um traço que vem de minha identidade judaica: o caráter autoirrisório é permanente em meus diálogos com minha condição, que é a condição humana, trágica, cômica: o humor é a compreensão mais aguda de que, ainda que haja um Deus, estamos aqui por mero acaso. Acredito num Deus existencialista. Aliás, nunca formulei isso desse modo. Obrigado pela oportunidade de fazê-lo, como um ato de criação!

Serviço

O Ciclista da Madrugada, de Arnaldo Bloch. Record, 224 págs., R$ 34,90.

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