Animação conta uma outra história do Brasil

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Um dos 19 longas-metragens de animação pré-selecionados ao Oscar de 2014, o longa-metragem brasileiro Uma História de Amor e Fúria, escrito e dirigido por Luiz Bolognesi, conquistou essa vaga depois de vencer o Festival de Cinema de Animação de Annecy e ganhar o prêmio do público no Festival Europeu do Filme Fantástico de Estrasburgo, ambos na França. Também recebeu o troféu de melhor animação no Latin Beat Film Festival 2013, no Japão. Pouco visto nos cinemas do Brasil, agora que está disponível em DVD e Blu-ray, merece ser redescoberto. Mas é bom avisar: não é para crianças.

Em 2096, o Rio de Janeiro que vemos na tela é uma cidade que se parece com a Los Angeles de Blade Runner – O Caçador de Androides, de Ridley Scott. Na animação, longa-metragem de estreia de Bolognesi, roteirista de Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade, a Cidade Maravilhosa é ao mesmo tempo apocalíptica e high ­tech, controlada por milícias que enchem os bolsos traficando água, que se tornou um bem precioso: o planeta chegou à exaustão em decorrência dos abusos cometidos pelo homem.

Nesse cenário sombrio, um jornalista que desistiu de salvar o mundo, e não acredita mais na justiça, contenta-se em pagar pelo amor da mulher que ama, Janaína. A vida de ambos está à beira de um abismo. Mas não é a primeira vez que isso acontece. Em 1566, quando os portugueses começavam a ocupar o território brasileiro, a dupla, então um apaixonado casal de índios tupinambás, iniciou uma história de amor (e tragédia) sem fim, que atravessa gerações e momentos-chave na trajetória do país.

Com as vozes de Selton Mello e Camila Pitanga, ele e ela vivem toda sorte de provações. No século 16, Janaína é morta em um confronto com os colonizadores. O protagonista, então um guerreiro, se transforma em um pássaro e "voa" para o futuro. Em 1800, os dois voltam a se encontrar e, a partir de então, assumem, através do tempo, novas formas humanas, sempre reunidos pela força de um sentimento à prova do tempo.

O romance passa pela escravidão, pela revolta da Balaiada, ocorrida no Maranhão entre 1838 e 1840, e pelo regime militar. Em todas essas épocas, o casal enfrenta – e tenta resistir, por vezes em vão – o autoritarismo e a opressão, que também se reinventam ao longo do tempo.

Uma História de Amor e Fúria é um filme corajoso ao adotar uma visão da história brasileira que dá destaque a movimentos de contestação, ainda que fracassados, por muito tempo relegados ao segundo plano pela versão oficial dos fatos. E os exalta, sem se tornar excessivamente panfletário ou didático, apesar de parte da crítica nacional acusar a obra de um certo excesso de engajamento.

Graças a uma trama bem construída, envolvente, e a personagens delineados com esmero, que ganham complexidade, mesmo com novas identidades com o passar dos séculos, Uma História de Amor e Fúria tem muitos méritos narrativos e visuais – calcado nos animes japoneses e na estética das graphic novels, é, em grande parte, desenhado em papel. GGG1/2