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Martin Scorsese finalmente tem seu Oscar. Talvez porque tenha relaxado, arregaçado as mangas e voltado ao cinema que sabe fazer com Os Infiltrados, também vencedor da estatueta de melhor filme, disputadíssima neste ano. Depois de tentar, sempre em vão, levar para casa o prêmio de melhor direção pelos interessantes porém irregulares e algo pretensiosos Gangues de Nova York e O Aviador, superproduções feitas sob encomenda para atender aos "padrões de qualidade" do prêmio, o cineasta nova-iorquino resolveu que era hora de revisitar um gênero que conhece como poucos: o cinema de gângster. Acertou em cheio, apesar de não ter feito seu melhor filme.

O mais incrível é que Os Infiltrados é uma obra derivativa, ou seja, baseia-se em outra produção, o policial chinês Infernal Affairs, grande sucesso no mercado asiático, mas considerado um filme de gênero, comercial demais e sem o perfil que se espera de uma produção "oscarizável". O ótimo roteiro de William Monahan, também premiado pela Academia, tratou de dar à história, antes maniqueísta e unidimensional demais, a complexidade que lhe faltava.

Os Infiltrados, ao contrário de Gangues e O Aviador, não tinha, pelo menos quando de seu lançamento, a pretensão de "reconstituir um capítulo importante da América" e ser aceito como cinemão classe A. Queria, sim, contar uma boa história que envolvesse, eletrizasse e instigasse o espectador a se manter na ponta da cadeira, tenso e ansioso por descobrir o desfecho da trama. Esses objetivos, aparentemente modestos mas difíceis de serem alcançados, são plenamente atingidos. E muito mais: Scorsese lembrou a todos como sabe fazer cinema e provou que não é fácil contar uma boa história.

Como em Os Bons Companheiros, Os Infiltrados também parte da subversão de um menino que sonha com a ascensão social e o sucesso tão pregados pelo chamado sonho americano. Colin (personagem vivido na idade adulta por Matt Damon) é um garoto de classe média baixa, de ascendência irlandesa, que um dia cai nas graças de um dos maiores gangsteres de Boston, o maquiavélico Costello (Jack Nicholson). O mafioso o prepara, desde a adolescência, para que se torne um policial e, assim, possa atuar como agente infiltrado em nome do crime organizado. Um golpe de mestre, enfim. A trajetória de Colin coincide, no entanto, com a insólita rota trilhada por outro personagem-chave do enredo. Billy (Leonardo DiCaprio), também descendente de irlandeses, tenta fazer o caminho inverso. Oriundo de uma família de bandidos e malfeitores, alguns ligados ao próprio Costello, o jovem deseja ingressar na polícia para limpar o nome da família, sobretudo de seu pai, um homem que jamais desejou se envolver com negócios escusos, mas foi sempre discriminado por ser honesto.

Acontece que, enquanto Colin parece ser um tira acima de qualquer suspeita, Billy carrega o estigma de seu clã e desperta a desconfiança de seus superiores, que o submetem a uma prova de fogo: fazer-se passar por criminoso, ficar um tempo na cadeia, para depois tentar um lugar na gangue de Costello, com o objetivo de prendê-lo de uma vez por todas.

Duas faces de um mesmo espelho – no caso, a classe operária e imigrante da região ao sul de Boston – tanto Colin quanto Billy estão a serviço de uma trama que dialoga com a obra complexa de Scorsese.

O diretor de obras-primas como Taxi Driver e Touro Indomável volta a lidar com o universo da crise da masculinidade, dentro do qual os personagens, todos muito frágeis emocionalmente e sempre à beira de uma crise de identidade, fazem uso da violência como forma de resolução de conflitos e de auto-afirmação. Elementos como catolicismo (a escolha de enfocar a comunidade irlandesa não é gratuita) e os dilemas morais e éticos enfrentados pelos personagens principais são igualmente reincidentes dentro do conjunto da obra do cineasta nova-iorquino.

Enorme sucesso internacional de bilheteria, rendendo US$ 278 milhões ao redor do mundo, Os Infiltrados não tem o rigor estético de Touro Indomável ou a relevância sociocultural de Taxi Driver, mas, como esses dois filmes e Os Bons Companheiros, tem o trunfo de ser um filme com uma marca. A de Scorsese, que, finalmente, quebrou uma maldição de mais de 30 anos, desde que a academia não o indicou pela direção de Taxi Driver.

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