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Quadro de Renoir. | Reprodução/Wikimedia Commons
Quadro de Renoir.| Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Em homenagem a Grande Odalisca, obra do francês Dominique Ingres (1780-1867) que está hoje no museu do Louvre, em Paris, seu conterrâneo Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) produziu “Reclining Nude” (nu reclinado). Nessa pintura de 1883, segundo texto do museu Metropolitan, em Nova York, Renoir transformou a cortesã de Ingres em uma menina saudável de bochechas rosas.

Já na definição de Max Geller, um americano de 31 anos, a modelo do pintor considerado um dos ícones do impressionismo, a despeito da tez rosada, não pode ter a coxa cinco vezes maior que o torso.

Em publicação no Instagram Renoir Sucks at Painting, Geller diz que, se podemos admitir as falhas de Renoir, podemos abordar os efeitos negativos que a veneração da sua arte tem em nossa cultura.

Foi com esse pensamento que ele e outros seguidores, empunhando cartazes com dizeres como “Deus odeia Renoir”, “estética terrorista”, se reuniram neste mês em frente a museus como o Metropolitan e o Belas Artes de Boston, reivindicando que as instituições se desfizessem dos quadros do pintor que tem na coleção. A primeira manifestação contou com dez pessoas; a segunda reuniu cerca de 30.

Para o crítico de arte Rodrigo Naves, não foi por acaso que o grupo escolheu Renoir. O francês é, segundo ele, o pior dos impressionistas. “É um pintor sobreavaliado, mas daí a tirar dos museus não teria justificativa”, diz.

A curadora Denise Mattar concorda que alguns trabalhos não são tão bons, mas considera outros obras-primas, como a pintura “As Meninas Cahen d’Anvers”, que está hoje no Museu de Arte de São Paulo: “Acho que o Renoir é demonizado simplesmente porque sua obra é bela”.

Questionado sobre o quadro de 1881, mais conhecido pelo nome “Rosa e Azul”, Geller diz que deveria se chamar “Duas meninas ricas mortas, condenadas ao inferno”.

O artista Paulo Pasta, em contrapartida, define a pintura como luminosa e encantadora. “Acho que a qualidade de Renoir caiu quando ele ficou mais velho, mas no seu auge como pintor, ele possui pinturas incríveis”, diz. O Masp preferiu não comentar o assunto.

Os manifestantes, apesar de não serem atendidos pelos museus (o Met e o Museu de Belas Artes não se posicionaram a respeito), atraíram atenção e conseguiram espaço em veículos como “The Guardian”, “The New Yorker”, “El País” e “Le Monde”.

O movimento continua distribuindo insultos a Renoir na conta de Instagram criada há cerca de nove meses, com usuários fazendo gestos obscenos diante das obras. Os seguidores saltaram de 2 mil, no início de outubro, para mais de 10 mil. Mas o aumento não corresponde necessariamente ao número de adeptos.

Entre os comentários, há os entusiastas @krisvanherle e @gezzab12, planejando ações em países como Bélgica e Austrália e refratários como @ilonaisoux, pedindo que os manifestantes se dediquem a algo útil. Em um dos posts, uma @gegereno, suposta tataraneta do Renoir, se opõe ao movimento.

Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, o “Renoir Sucks...” é um curso sobre como ser um “hater”, a começar pela escolha do alvo, que está morto e sem condições de contestar.

“Existe um discurso agressivo, que não promove o debate”, diz. “A iniciativa abre discussões sobre a veracidade do que se lê na rede. Até mesmo a tataraneta do Renoir pode ser um jogo do criador do movimento para chamar atenção. Não vi nenhuma comprovação de que ela exista, acho que nenhum veículo a entrevistou”. Aos pedidos de entrevista da reportagem, inclusive, @gegereno não respondeu.

Já Max Geller atendeu prontamente. Ele, que diz ser uma espécie de agitador, argumentou, como um bom estudioso do público a que se destina, que Renoir deve ser esquecido como as opiniões de Ed Motta e como um time que tomou sete gols.

Invenção ou realidade, o fato é que o “Renoir Sucks” colocou os holofotes diante do pintor. O artista Lourival Cuquinha, por exemplo, tinha boas lembranças de Renoir, mas se surpreendeu ao analisar algumas pinturas após a polêmica: “Estou achando tudo meio bregoso”, diz. “Se não fosse o movimento, Renoir passaria bem por mais 50 anos”, Cuquinha ri.

O grupo se vale também de algumas publicações que colocam em dúvida como Renoir era visto por seus contemporâneos. Em um trecho de “Manet Paints Monet”, de Willibald Sauerländer, Manet se irrita com Renoir e diz que ele não tem nenhum talento.

No livro “Renoir”, de Sandra Forty, também há a informação de que o francês - que se afastou do impressionismo para retomar uma pintura mais clássica- não quis participar de uma exposição do grupo em 1882 por achar que suas pinturas perderiam valor ao lado das de Paul Gauguin.

O artista Nazareno, que gosta de Renoir, atribui a oscilação na qualidade de algumas pinturas à intensidade da produção do pintor. “Mas se essas pessoas se colocam como juízes, qual destino sugerem para as obras?”, questiona.

O organizador do “Renoir Sucks” entrou em contato com Michael Frank, o curador do Museu de Arte Ruim, em Boston, que avaliou muitas das pinturas de Renoir como bem-vindas em seu acervo.

Na opinião de Tadeu Chiarelli, diretor da Pinacoteca de São Paulo, o debate diz mais sobre o nosso tempo do que sobre a qualidade de Renoir “Qualquer bobagem tem capacidade de tomar conta do mundo todo a partir das redes sociais”, ele ri.

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