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Poucas figuras merecem, de fato, o status de "multiartista". André Abujamra é uma delas. Conhecido do público graças ao duo Os Mulheres Negras e, principalmente, à banda Karnak, ele também mantém uma atividade intensa nos bastidores. Compõe trilhas sonoras para as mais diversas finalidades, produz discos, dirige videoclipes e ainda se arrisca como ator (em filmes como Boleiros e Durval Discos).

Aos 41 anos, o filho do "homem de teatro" Antonio Abujamra acaba de encarar uma transformação radical. Submeteu-se a uma cirurgia de redução de estômago e, desde janeiro, perdeu 50 quilos. De passagem por Curitiba, onde apresentou músicas de sua carreira-solo, ele conversou com a reportagem do Caderno G.

Caderno G – Além de seus discos, você assina incontáveis trilhas para filmes, peças, comerciais, etc. Que tipo de trabalho não aceita de jeito nenhum?

André Abujamra – Como sou músico e vivo disso, o que cair na rede é peixe. Faço qualquer negócio. Quando eu curto, claro. Show para político eu não faço. Já fiz jingle para candidato, mas me arrependi profundamente. E, hoje em dia, depois de 35 longas-metragens nas costas, quando aparece um projeto de filme que eu leio e não gosto, recuso educadamente.

Você faz alguma diferenciação entre os trabalhos encomendados e os mais autorais?

Não. Se não fosse uma coisa totalmente natural para mim, acho que não conseguiria fazer. Não vejo diferença entre um trabalho e outro. Fazer várias coisas ao mesmo tempo é muito normal para mim. O meu processo de criação é sempre igual, mesmo quando faço coisas diferentes, como atuar. Eu me inspiro muito na vida fora do estúdio. Conversar com o pipoqueiro, dentro do metrô... Essa é a minha inspiração, e ela acaba indo parar em qualquer tipo de arte que eu faça. Claro que, quando você tem uma publicidade para fazer, com um prazo para entregar, isso exige uma certa técnica, você não pode pirar muito na maionese. Mas 90% do que eu faço tem um processo de criação parecido.

Avanços tecnológicos como a internet e os estúdios caseiros têm contribuído para que os artistas sejam cada vez mais independentes de empresários, gravadoras e outros atravessadores da música. Como você vê essas mudanças tão rápidas, já que foi um dos pioneiros no uso da tecnologia por aqui?

Adoro a tecnologia, não tenho medo dela. E a única vez em que não fui independente foi na época dos Mulheres Negras (que gravavam pela multinacional Warner). Fora isso, sou independente desde que nasci. Essa correria de se autoproduzir, eu conheço faz tempo. Você não imagina o quanto estou sendo criticado por causa da indicação ao Prêmio Visa (que, em sua nona edição, contempla os compositores). Todo mundo fala: "Você não precisa desse prêmio, você já é um compositor famoso". Como não? Nunca consegui patrocínio, nunca consegui lei de incentivo... Sou tão independente como todo mundo que está ali, buscando um lugarzinho ao sol.

A inspiração para montar o Karnak veio de uma viagem que você fez por vários países. Continua viajando muito?

Antigamente, eu viajava bastante porque não era casado, não tinha filhos e pesquisava coisas por aí com um gravadorzinho. Hoje, com o advento da internet, se quiser ir até o Pasquistão buscar um som maluco, eu vou. Gosto de conhecer a cultura dos outros povos, e também viajei muito tocando com o Karnak. Mas no momento ando meio "caseirão".

Hoje acompanhamos de longe um acirramento nos conflitos do Oriente Médio. Você, que passou por lá, ficou com qual impressão da região?

Passei pelo Egito, Sudão... Não cheguei a ir para Israel porque estava muito duro. Minha impressão é que morre muito mais gente em São Paulo por dia do que lá. Não digo hoje, com essa guerra no Líbano. Apesar desse conflito, as pessoas são muito evoluídas. O povo muçulmano é muito legal. O problema é que tem gente ruim em qualquer lugar do mundo. Por isso acho difícil que esse conflito acabe. É como a pirataria, as drogas. Elas não vão acabar. Temos que aprender a conviver com isso. Conviver com a m* para sentir o cheiro das flores.

Os Mulheres Negras voltaram, o Karnak voltou... Por que ressuscitar esses projetos antigos?

O que aconteceu comigo foi o seguinte. Fiz uma operação de redução do estômago, sabe? Antes dela, Os Mulheres Negras tinham acabado, o Karnak tinha acabado... Eu achava que era preciso saber a hora de acabar as coisas. Mas eu não morri depois dessa operação, que é perigosíssima. Quando voltei, liguei para todo mundo e falei: "Vamos continuar com todas essas bandas!". As únicas coisas que eu não retomei na minha vida foram as minhas ex-mulheres, senão a minha mulher me matava. Os Mulheres Negras vão gravar um disco no ano que vem. E o Karnak é a primeira banda universal do mundo, porque nunca vai acabar. A gente queria acabar e os fãs não deixaram. E agora a banda vai continuar para sempre, porque, depois que a gente morrer, nossos filhos vão entrar no lugar.

Operações desse tipo mudam radicalmente a vida do indivíduo. O que mudou na sua?

Estou ligando essa operação à minha vida artística. Meu próximo disco-solo, que deve sair neste ano, vai se chamar Retransformafricando. A capa sou eu indo para a maternidade, vestido de mulher. E a contracapa sou eu, de mulher, carregando um neném, que sou eu também (risos). Tenho feito terapia, estou reaprendendo a me alimentar. Não era um gordo compulsivo, era um gordo italiano que gostava de comer. Acho que tenho a cabeça boa, não está sendo tão difícil.

Algo mais o perturbava, além da questão física?

Era, basicamente, um problema de saúde. Eu estava com 170 quilos. Tinha medo de morrer. Mas a verdade é que eu era gordo porque comia tudo. Não só comida. Aceitava desaforo, engolia coisas que as pessoas falavam e eu não gostava. Agora, não. Continuo sendo bonachão, engraçado, delicado. Mas tem um monte de amigo meu que não é mais meu amigo. Não engulo mais sapo.

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