Destaque para Genesis, de Sebastião Salgado, na feira| Foto: Ralph Orlowski/Reuters

"Frankfurt é um bairro do Rio", escreveu o jornal Süddeutsche Zeitung, de Munique, na sua edição de 8 de outubro. A bem-humorada manchete não foi exagero do repórter de um dos periódicos de maior credibilidade da Alemanha. Para a 65ª edição da Feira de Livros de Frankfurt, que contou este ano com o Brasil como convidado de honra, os organizadores trataram de inundar não somente a cidade, mas todo o país europeu com a cultura brasileira.

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Muitas polêmicas rodearam a participação do Brasil. Uma das primeiras foram as inúmeras reformulações no projeto, por parte de Itamaraty, Ministério da Cultura e Fundação Biblioteca Nacional.

Outra questão foram os atrasos nos processos licitatórios para contratação de serviços de hospedagem para a delegação, de produção executiva e de assessoria de comunicação, que foram abertos apenas três semanas antes da data de início da feira.

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Megaevento mesmo. Inúmeros eventos culturais e literários relacionados ao Brasil permearam a Feira de Livros de Frankfurt, contabilizando um total de 650 até janeiro de 2014. A comitiva de autores brasileiros em Frankfurt computou 70 escritores, que também participaram ou participarão de outros eventos literários no país, como a Feira do Livro de Leipzig, a Feira Literária Internacional de Colônia ou o Festival de Literatura de Berlim. Segundo Manuel da Costa Pinto, um dos curadores e responsáveis pela comitiva brasileira, o número total de escritores, contando todos os eventos, ultrapassa 90 autores.

Os números impressionam. Mais de 150 editoras brasileiras dividiram um estande coletivo de 700m². O Brasil contou ainda com um enorme pavilhão de 2.500m², encenado por Daniela Thomas e Felipe Tassara. As estimativas são de que quase 60 mil pessoas tenham passado pelo Pavilhão Brasileiro. Frankfurt tornou-se, também, pano de fundo para exposições, shows e intervenções de artistas brasileiros, começando com as apresentações de Lenine e DJ Criolo no final de agosto, uma exposição com obras de Hélio Oiticica e interpretações artísticas desenvolvidas especialmente para o evento. No total, quase R$ 19 milhões foram investidos na participação do Brasil na feira.

Controvérsias

"Pano pra manga" gerou a ausência de Paulo Coelho. Ausência física, diga-se de passagem, já que o rosto do escritor estampava faixas nas ruas assim como micro-ônibus que circulavam nos espaços abertos do enorme Centro de Convenções de Frankfurt. A ausência do escritor, que desmarcou sua participação por discordar da seleção de escritores da delegação brasileira, foi sentida pelo público alemão. A enfermeira Antje Breves viajou de Koblenz para Frankfurt para visitar o pavilhão brasileiro no sábado. Paulo Coelho era o único escritor brasileiro que ela poderia citar "sem pestanejar". "Eu já li dois livros dele e acho uma pena que ele não esteja aqui", disse à Gazeta do Povo.

Entre os autores, houve quem afirmasse que os esbravejos de Paulo Coelho nada mais fossem do que uma crise de ego ferido. É o caso da curitibana Alice Ruiz, que acredita que o motivo central do aborrecimento do autor seja o "fato de não ter sido chamado para fazer a curadoria." Alice – que participou de uma leitura de poemas com o poeta Paulo Henriques Britto – disse sentir-se desconfortável com "essa imposição do rosto e do nome dele, gigantescos, em todos os espaços aqui. Isso é marketing puro. E eu me pergunto o que isso tem a ver com literatura".

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A mesma dúvida tiveram muitos dos presentes na Solenidade de inauguração do evento. Na ocasião, o escritor mineiro Luiz Ruffato fez um discurso atrelado à crítica social. Ovacionado de pé por alguns minutos, a fala de 10 minutos transformou o autor em uma das estrelas da feira.

Seguiu-se uma extensa discussão. Discurso político ou discurso literário?, foi a pergunta que não quis calar. Políticos correram para tentar justificar a opinião de Ruffato – causando até mesmo momentos vexatórios como o discurso de improviso do vice-presidente Michel Temer na mesma noite, tentando amortecer o impacto das palavras do escritor junto ao público alemão – autores dividiam-se entre "pró-Ruffato" e "contra-Ruffato": Nélida Pinon ratificou "ter a nítida postura de não falar mal do meu país fora das fronteiras brasileiras", Paulo Lins – autor de "Cidade de Deus" e, ao lado de Ferrez, únicos negros da comitiva brasileira, o que por sinal também foi motivo de muito debate – assegurou que o discurso do amigo trata-se de uma "declaração de amor" ao Brasil.

Lourenço Mutarelli – escritor e autor de histórias em quadrinhos e que teve sua obra "O Cheiro do Ralo" adaptada para o cinema – afirmou ter tido que se "segurar para não chorar" durante o discurso, proferido para um auditório lotado com 2000 pessoas.

Até mesmo Jürgen Boos, o já citado Presidente da Feira de Livros de Frankfurt, precisou dar suas opiniões sobre o assunto. Boos explicou em coletiva de imprensa: "Rufatto estava falando de si próprio, da sociedade que o rodeia e de como se tornou um escritor, do papel da literatura nesse processo." Para Boos, que atua desde 2005 como presidente da feira, o discurso foi "o relato de uma história de sucesso".

Saravá – Depois de cinco dias cercados de críticas políticas (e talvez até politicagem), Paulo Lins encerrou a participação do Brasil como país convidado com um "saravá" aos professores do Rio de Janeiro – em menção aos protestos de educadores na capital fluminense – e a leitura de um de seus poemas, que obviamente também teve cunho político. O escritor carioca aproveitou também para – mais uma vez – tocar no assunto da presença ou não de critérios raciais na seleção da delegação brasileira ("não houve racismo na lista") e para criticar sutilmente o discurso do vice-presidente Michel Temer, que em seu constrangedor discurso de improviso alguns dias antes citara um livro de poesias que escrevera.

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Ao lado de Paulo estava Rosa Liksom, escritora finlandesa, autora de "Os Paraísos do Caminho Vazio"

A Finlândia será o país homenageado da Feira de Frankfurt em 2014, seguido pela Indonésia, em 2015.