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Quando as máquinas dizem o que importa

Você está trocando mensagens com amigos e, para sua surpresa, os anúncios publicitários que surgem no canto da tela têm a ver com a conversa.

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Considere um dia típico na vida de uma estudante de Psicologia. No Facebook, ela lê uma fotomontagem com um texto de Chico Xavier postado por sua mãe. No Instagram, vê fotos de uma amiga comendo camarão à beira da praia. No YouTube, intercala um vídeo-tributo a Whitney Houston com um debate sobre inato versus adquirido, tema da prova do dia seguinte. No Twitter, opiniões mil sobre a guerra das tribos praia e selva do BBB, programa que ela segue obsessivamente. Ainda lê as últimas novidades de um blog de fotografia, um hobby pessoal, e a manchete do dia falando da investigação sobre a morte de uma menina no parque de diversões Hopi Hari. À noite, assiste ao Jornal Nacional durante o jantar com a família e, antes de dormir, descobre duas músicas novas no Hype Machine.

Aparentemente, a maneira como essa estudante fictícia absorve conteúdo parece caótica e desordenada, desprovida de um sentido maior. Tyler Cowen, economista americano conhecido por seu blog Marginal Revolution e autor do livro Crie Sua Própria Economia – O Guia da Prosperidade para um Mundo em Desordem, tem duas explicações para esse estilo de consumo de informação, o qual defende veementente.

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A primeira é econômica. Nas últimas décadas e principalmente após o surgimento da internet, a tendência é que grande parte da nossa cultura venha em pedaços mais curtos e menores. Pense no álbum de rock dos anos 1960 trocado por faixas de músicas compactadas no iTunes. "Quando o acesso é fácil, tendemos a favorecer o curto, o doce e o pequeno. Quando o acesso é difícil, tendemos a procurar produções em larga escala, extravaganzas e obras de arte", escreve Co­­wen. Sob esse ponto de vista, es­­tamos entrando numa nova ordem mundial – de abundância de conteúdo –, na qual a economia da informação deixou de ser um problema de escassez para se tornar uma questão de filtro. Não se trata mais exclusivamente de uma economia de gastar dinheiro, e sim de uma economia de atenção. Uma mudança inclusive que tem impacto na necessidade de remuneração – hoje muito menor do que há 10 anos – porque as possibilidades de experiências proporcionadas pela cultura da web permitem que pessoas comuns possam ter "vidas interiores" tão ricas e extraordinárias quanto Bill Gates ou Warren Buffet, argumenta o autor.

A questão da "vida interior" é parte da segunda explicação de Cowen para como estamos consumindo informação, ligada ao campo intelectual e emocional. Segundo o economista, essa cultura de unidades e pedacinhos cada vez menores e cada vez mais numerosos está aprimorando a nossa existência mental interna e tornando-a mais coesa, e não mais caótica. "A coerência encontra-se no fato de que você está recebendo um fluxo contínuo de informação para alimentar a sua atenção constante. Não importa quão díspares os tópicos possam parecer a quem olha de fora, a maior parte do fluxo se relaciona com as suas paixões, seus interesses, suas afiliações e com a maneira como tudo se coaduna. Na essência, tudo diz respeito a você e isso é, de fato, um tópico favorito para muita gente. Agora, mais do que nunca, você pode reunir e manipular unidades de informação do mundo externo e relacioná-las com suas preocupações pessoais", defende.

Sociedade autista

Uma parte central do livro de Cowen é, supreendentemente, focado no autismo e na neurodiversidade – as muitas formas de preferências mentais e de estilos cognitivos. Os autistas são o que ele chama de "infóvoros" – adoram reunir, ordenar e processar informação, especialmente pequenos pedaços de informação, para dar sentido e significado à vida. Nós, como sociedade, estamos nos tornando cada vez mais parecidos com os autistas, defende ele. E isso é algo bom. Cowen faz uma radical reinterpretação do que é ser autista, tratando a questão não como uma desordem mental, mas mostrando as muitas forças cognitivas dessas pessoas. Nem todos se beneficiam desse ambiente de fácil acesso e de grande quantidade de informação, diz o economista, mas muitos sim, e isso deve ser celebrado.

O lado negativo

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O comportamento de atualizar a caixa de e-mail a cada cinco minutos e seguir compulsivamente as atualizações do Facebook deve, no entanto, ter algum impacto negativo em nossas vidas, afirmam outros estudiosos. Nos últimos anos, vários autores vêm discutindo principalmente dois pontos negativos relacionados à era da internet: a perda da capacidade de atenção e a superficialidade do conteúdo consumido. O maior expoente dos críticos da internet é, possivelmente, Nicholas Carr, autor de A Geração Superficial – O Que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros. O livro, recém-lançado no Brasil, é fruto de um artigo publicado em 2008 na revista The Atlantic, intitulado O Google Está Nos Emburrecendo?.

Carr relata a sua própria experiência para explicar como a internet está impactando nosso modo de pensar. "Não era apenas que eu estava despendendo muito mais tempo defronte a uma tela de computador. Não era apenas que tantos dos meus hábitos e rotinas estavam mudando porque me tornei mais acostumado com, e dependente dos, sites e serviços da net. O próprio modo como o meu cérebro funcionava parecia estar mudando. Mesmo quando eu estava longe do meu computador, ansiava por checar os meus e-mails, clicar em links, fazer uma busca no Google. Queria estar conectado", escreve ele.

Ao longo do livro, Carr faz uma defesa, ecoando o teórico Marshall McLuhan, de que os meios de comunicação modelam o nosso processo de pensamento. Em síntese: o comportamento de saltar de site em site em busca de pedacinhos de conteúdo está condicionando nossos cérebros a receber informações de forma rápida e superficial. O resultado é um encurtamento no período de atenção e menos chances de termos pensamentos profundos.

A discussão sobre o impacto negativo da tecnologia não é novo, co­­mo lembra o neurocientista Jonah Lehrer, autor de diversos artigos a respeito do impacto da internet em nossas vidas. Sócrates, em Fredo, la­­mentou que a invenção dos li­­vros levaria ao esquecimento da alma. "Aqueles que a adquirem vão parar de exercitar a memória e se tornarão esquecidos; confiarão na escrita para trazer coisas à sua lembrança por sinais externos, em vez de fazê-lo por meio de seus recursos internos", diz o pensador grego, num trecho do livro que foi escrito por Platão.

O nascimento de praticamente todos os outros meios de comunicação que vieram depois provocou previsões igualmente catastróficas. Para Cowen, a posição de Carr subestima o fato de que a internet permite às pessoas acompanhar a mesma história ao longo de muito anos, aumentando o nosso período de atenção, e não diminuindo. "Por exemplo, se eu quero saber alguma novidade sobre o meu atleta preferido, ou ainda sobre o meu economista favorito, ou se desejo me atualizar sobre os debates a respeito do aquecimento global, o Google me põe lá rapidamente. Antes, eu precisava de um contínuo envolvimento pessoal para seguir uma história por anos, mas agora tenho como acompanhá-la de maneira fácil e a uma distância maior. Às vezes, parece que estou impaciente ao descartar um livro que, 20 anos atrás, poderia ter concluído. Mas, ao deixar de lado um livro, geralmente estou voltando minha atenção para uma história contínua que acompanho na web. Se as nossas buscas às vezes são frenéticas ou vão em muitas direções, isso acontece precisamente porque nós temos um grande interesse por algumas histórias contínuas."

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Serviço:

Crie Sua Própria Economia – O Guia da Prosperidade para um Mundo em Desordem, de Tyler Cowen. Tradução de Vitor Paolozzi. Record, 252 págs., R$ 34.

A Geração Superficial - O Que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros, de Nicholas Carr. Tradução de Mônica Gagliotti Fortunato Friaça. Agir, 312 págs., R$ 45.