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São Paulo – Ele protagonizou uma das mais tocantes cenas da entrega do último Oscar. O compositor Ennio Morricone, de 76 anos, responsável por cerca de 400 trilhas sonoras, agradeceu em italiano o Oscar "pelo conjunto da obra" – e teve como tradutor de luxo Clint Eastwood, que duelou ao som da música de Morricone nos idos de 1964, no western-spaghetti Por um Punhado de Dólares, dirigido por Sergio Leone. Tempos duros, quando Leone assumiu o nome de Bob Robertson na versão do filme distribuída no mercado norte-americano e transformou Morricone em "Dan Savio" (pseudônimo).

É sintomático que a gente tenha na ponta da língua os filmes de Eastwood como ator e diretor, mas se surpreenda quando olha a interminável listagem das trilhas de Morricone, que vai ao Rio de Janeiro esta semana para reger um concerto com suítes de suas trilhas. Você está cansado de saber que ele assina a trilha dos western-spaghetti de Leone, A Missão, Cinema Paradiso, Os Intocáveis e A Lenda do Pianista do Mar. Mas vai se assustar ao topar com seu nome nos créditos de filmes como Ata-me, Gaiola das Loucas, Bugsy ou Na Linha de Fogo.

Ele parece estar em todas as telas. Ou melhor, suas criações inconfundíveis emolduram todo tipo de filme. Já disseram que ele é o Verdi das trilhas sonoras. Por causa da originalidade de seus temas e as doses sutis de ironia salpicadas num lirismo derramado. Essa genial capacidade de criar belíssimas melodias encharcadas de romantismo, que resvalam sutilmente na ironia, é a marca registrada... de Verdi, claro. Mas também de Morricone. Ambos têm o condão de criar as melodias eternas.

Mede-se a qualidade de um tema de trilha sonora pela seguinte equação morriconeana: quanto mais um tema é ouvido de forma independente do filme para o qual foi criado, mais seu sucesso estará assegurado. "Um conselho a quem quiser tentar escrever musica para cinema", disse ele aos biógrafos Anne e Jean Lhassa. "Somos prisioneiros da melodia clássica, libertem-se dela, e alcancem, por meio de invenções realmente novas, uma nova sintaxe construída especialmente para a música de cinema." O melhor dos mundos, então, é conceber temas com vida própria, mas que ainda assim sejam complementares às imagens que os acompanham. É o que Morricone faz com perfeição. Sua música sobrevive fácil e inteirona quando ouvida em gravações-qualidade raríssima no gênero. E tem um poder de sedução danado sobre músicos de todas as tribos.

O DVD Morricone por Morricone (Versátil) lançado na semana passada, a propósito de sua vinda ao Brasil, é prova dessa magia: pouco mais de uma hora e meia de música de cinema que não parece... música de cinema. Morricone rege a Orquestra da Rádio de Munique, em concerto realizado em outubro de 2004. Os primeiros 50 minutos são preenchidos por uma imensa suíte que evoca temas de 14 filmes. Ele rege com um olho na partitura, cabeça baixa – mas deixa escapar de vez em quando o outro olho dos óculos fundo-de-garrafa para este ou aquele naipe. Não é um regente espalhafatoso, nem precisa disso. A música se encarrega de contagiar músicos e platéia.

O piano (Gilda Buttà) brilha no contraponto cerrado de H2S, filme de 1968; a flauta de Pã em Era Uma Vez na América; uma trompa destaca-se em solo em Uno Che Grida Amore; órgão e coro misto participam de Maddalena; e o belíssimo timbre da soprano Susanna Rigacci se impõe em Quando Explode a Vingança. Um intervalo e, em seguida, um consistente miniconcerto para violino (Henry Randales) e orquestra de 15 minutos em três movimentos interligados que deixam para trás tentativas do pioneiro de trilhas Miklos Rosza. E a parte final, com mais uma penca de temas que culminam numa degustação de seu trabalho mais perfeito, a trilha de A Missão, de 1986.

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