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Cena do filme Clube da Luta: niilismo destrutivo no final do século 20; Máscara de Guy Fawkes ganhou as ruas graças à popularidade de V de Vingança; O anarquista V em V de Vingança: consciência e preocupação com direitos humanos e Tyler Durden, vivido no cinema por Brad Pitt: revolta contra a sociedade de consumo | Fotos: Divulgação, Pawel Kopczynski/Reuters, Divulgação e Reprodução
Cena do filme Clube da Luta: niilismo destrutivo no final do século 20; Máscara de Guy Fawkes ganhou as ruas graças à popularidade de V de Vingança; O anarquista V em V de Vingança: consciência e preocupação com direitos humanos e Tyler Durden, vivido no cinema por Brad Pitt: revolta contra a sociedade de consumo| Foto: Fotos: Divulgação, Pawel Kopczynski/Reuters, Divulgação e Reprodução

Filmografia

Saiba mais sobre os longas-metragens emblemáticos citados na matéria:

• Juventude Transviada (Rebel without a Cause. EUA, 1955). Direção de Nicholas Ray.

Um dos maiores símbolos do jovem rebelado é Jim Stark, protagonista interpretado por James Dean. O rebelde, entretanto, ainda é dependente do meio e egoísta em sua revolta.

• Laranja Mecânica(A Clockwork Orange. EUA/Reino Unido, 1971). Direção de Stanley Kubrick.

O futuro distópico descrito em Laranja Mecânica – permeado por um mal-estar e apatia gerais – tem como subproduto uma gangue de jovens violentos, destrutivos, coletivizados e realmente à margem da sociedade.

• Trainspotting – Sem Limites(Trainspotting. Reino Unido, 1996). Direção de Danny Boyle.

As gangues jovens não são mais tão violentas como as de Laranja Mecânica, mas são autodestrutivas e alheias à sociedade, ainda que conscientes de suas posições marginais.

• Clube da Luta(Fight Club. EUA/Alemanha, 1999). Direção de David Fincher.

O grupo encabeçado pelo líder iconoclasta Tyler Durden é organizado, pretende-se revolucionário e aplica suas ideias em ações destrutivas, mais preocupado em "libertar" as pessoas do que promover uma alternativa ao mal-estar da sociedade de consumo.

• V de Vingança (V for Vendetta. EUA/Reino Unido/Alemanha, 2005). Direção de James McTeigue.

A evolução da coletivização dos jovens rebeldes marginalizados toma forma sob a liderança do anarquista V, que delega poder ao povo e preza por direitos iguais e bem-estar entre as pessoas.

Serviço

Clube da Luta

Livro de Chuck Palahniuk. Tradução de Cassius Meudar. Leya, 272 págs., R$ 39,90. Romance.

Após 12 anos de sua primeira publicação no Brasil, está de volta às prateleiras das livrarias nacionais o romance Clube da Luta, do escritor americano Chuck Palahniuk, um fenômeno editorial entre adolescentes e jovens adultos, lançado originalmente em 1996. A história, que ganhou os cinemas nas mãos do diretor David Fincher em 1999, com os atores Edward Norton e Brad Pitt no elenco, é um grito de revolta ao establishment da sociedade de consumo e da organização capitalista em torno de falsas emoções exploradas pela publicidade.

No longa, o protagonista sem nome é um insone que, após conhecer a misteriosa e iconoclasta figura de Tyler Durden, é encorajado a montar um clube marginal de lutas entre cidadãos "de bem". O projeto é a ponta do iceberg de um plano megalomaníaco de subversão do sistema que pretende implodir seus alicerces de dentro para fora.

Assim como o personagem de Palahniuk – que se tornou a face do descontentamento nas redes sociais, o QG para boa parte das revoltas acontecidas nos últimos anos —, a máscara de Guy Fawkes (soldado inglês católico participante de uma conspiração que pretendia assassinar o rei da Inglaterra e todos os membros do parlamento no século 17), personagem real retomado como símbolo da revolução popular consciente na HQ de Alan Moore V de Vingança, ganhou as ruas depois de circular na internet como símbolo do movimento hacker Anonymous, responsável por ações anárquicas contra corporações e governos. Fawkes também ganhou maiores proporções graças à adaptação da obra para o cinema, escrita pelos irmãos Wachowski (Matrix).

Ícones rebeldes

Figuras icônicas como as de Tyler Durden e Guy Fawkes, que conquistam toda uma geração e acabam se tornando símbolos de insurreição contra os costumes da sociedade, seguem uma certa tradição no cinema – em sua grande maioria, adaptados a partir de romances.

O primeiro grande exemplo é Jim Stark, personagem de James Dean em Juventude Transviada, filme de 1955. Stark é um legítimo rebelde sem causa – criado fora do padrão yuppie, porém completamente dependente do sistema, egoísta e alienado em sua inadequação. Dean até hoje é considerado um ícone da rebeldia que aflorava de forma dispersiva no ocidente do pós-guerra.

A violência juvenil, contrapartida lógica dessa rebeldia sem causa, assustou as antigas gerações. Em 1962, após ser agredido por uma gangue adolescente, o escritor Anthony Burgess publicou Laranja Mecânica, a terceira das distopias marcantes do século 20, ao lado Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) e 1984 (George Orwell). A história foi adaptada ao cinema por Stanley Kubrick em 1971 e mostra uma organização de jovens descontentes numa reação niilista ao mal-estar causado por um futuro negligenciado pelos órgãos públicos. Ainda alienados e de reações instintivas, a gangue do protagonista Alex se mostra legitimamente à margem da sociedade.

Nos anos 90, o filme Trainspotting – Sem Limites, de Danny Boyle – também adaptado a partir de um espetacular romance escrito por Irvine Welsh – exemplifica a falta de esperança do fim do milênio de jovens escoceses viciados em heroína. Transgressores, coletivizados, marginalizados, porém dotados de uma consciência de sua situação desesperançosa – sem, contudo, saber o que fazer para mudar o status quo — eles são pouco habituados à violência, ainda que extremamente autodestrutivos.

Chegamos, então, à obra de Palahniuk. A evolução na iconoclastia representada por Tyler Durden é o esboço de ideologia e consciência passíveis de se transformar em uma revolução das massas. Essa revolução, porém, nada tem de agradável e permanecem os resquícios autodestrutivos de Trainspotting (ao invés das drogas, a luta), que se estendem no plano físico à toda a sociedade, fadada à ruína caso os planos do Projeto Caos descritos na obra fossem concretizados.

Por último, há a figura de V, o anarquista vestido com a máscara de Guy Fawkes em V de Vingança. Ao colocar parte da responsabilidade de seus planos nas mãos de Evey Harmond (jovem interpretada por Natalie Portman no filme), V revela a última característica a ser observada nos jovens iconoclastas que o tornaram tão estimada figura nas revoluções dos últimos anos: a delegação de poder de ação direta para o povo. Não só marginalizado, coletivizado e consciente de sua condição, V preocupa-se também com o bem-estar social e a igualdade entre os homens, demonstrado ao insurgir-se contra a ideia de Larkhil, a instituição fictícia que torturava as mesmas minorias perseguidas pelo nazismo. O poder está com o coletivo e há uma saída para o autoritarismo.

É, pois, a formação de uma ideologia ou aplicação prática do descontentamento, parte da fórmula para se criar um rebelde icônico – que se difere de personagens apolíticos e reativos, como os do diretor Quentin Tarantino. Porém, o maior desafio da representatividade dessas figuras para a geração da revolução do sofá certamente será transformar o discurso em atitudes concretas. Será esse o papel transformador da arte? Fica a pergunta.

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