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O prolífero escritor carioca Luiz Alfredo Garcia-Roza torna a exercitar os músculos literários em sua especialidade, o thriller psicológico ou psicanalítico, desta vez na companhia de seu detetive favorito, o delegado Espinosa, da 12.ª DP em Copacaba-na. Espinosa é um policial atípico. Fã de Coetzee e de Faulkner, gosta de vasculhar livrarias antes de entrevistar os suspeitos. Em Espinosa sem Saída (Companhia das Letras, R$ 34; 216 págs.), está às voltas com o assassinato de um sem-teto perneta conhecido pelo codinome de Magro. Seria um crime de somenos se não envolvesse uns figurões da burguesia carioca e não apresentasse traços intrigantes.

Para começar, ninguém conhece o sujeito. Além disso, ninguém ouviu o único tiro, certeiro, disparado no coração do indigente. Intriga Espinosa a desproporção entre "a vítima, desprezível, e o crime, cometido com eficiência". O homicídio ocorre numa madrugada chuvosa, na la-deira que sai da Rua Tonelero. A vizinhança é abastada. Numa casa próxima, o proprietário dá um jantar para celebrar a reforma recém-concluída. É justamente o arquiteto encarregado das obras quem primeiro chega ao local do crime. Duas semanas depois, a mulher dele, uma psicanalista, aparece morta, nua, no divã de seu consultório.

Nos romances de Garcia-Roza, o espaço é elemento essencial, não só por desvendar ao leitor o cenário da zona sul carioca, mas principalmente porque esse ambiente fornece pistas sobre o comportamento dos personagens e a estrutura do romance. Em Berenice Procura, seu livro anterior, a trama inclui um túnel localizado no interior de um dos morros de Copa. Agora temos essa íngreme ladeira, que termina num beco sem saída em cujo trecho para retorno de veículos é encontrado o corpo do sem-teto.

É nessa ladeira que, aos 13 anos, Espinosa passeava de bicicleta com os amigos. Na época, o alto do morro, de onde se avistava a cidade, representava o ápice da "aventura" para os garotos, "o máximo de ousadia na descoberta de novas terras". Paralelamente, o enredo encerra um conflito de infância entre o assassino (cidadão de Copacabana, como Espinosa) e o suposto assassinado. O auge da aventura equivale igualmente a um ponto impossível de ser ultrapassado, a partir do qual só resta retroceder. Não apenas o sem-teto e seu assassino se acham num beco sem saída mas também Espinosa. O fato de o impasse abranger uma diferença de classes e uma fusão entre sexo e morte constitui um prato cheio para psicanalistas e sociólogos.

E para críticos literários. Espinosa compara o enigma que o aflige ao tormento causado por um bando de formigas em seu apartamento. Em Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar, as formigas comem a cerca viva da propriedade do protagonista, deflagrando o conflito. Os padrões narrativos, como os becos, podem seguir por meandros misteriosos.

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