O amável padeiro é abandonado pela esposa, que foge com o fogoso pastor da cidade| Foto: Divulgação

Serviço

A Mulher do Padeiro

(La Femme du Boulanger. França, 1938). Direção de Marcel Pagnol. Com Fernand Charpin e Raimu. Cultclassic. 130 min. Classificação indicativa: 14 anos. Locação e venda. R$ 29,90. Drama.

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Orson Welles disse certa vez que um grande filme não depende necessariamente de direção nem montagem. Parece estranho que o ator e diretor do cultuado Cidadão Kane tenha afirmado isso, mas, às vezes, reiterou Welles, um grande filme não precisa mais do que de uma grande história, e de um grande ator. A prova é A Mulher do Padeiro, que a Cult Classics está lançando em DVD.

Adaptado de Jean le Bleu, de Jean Giono, o filme conta a história de um padeiro e sua mulher. Ela o abandona, ele entra numa crise profunda e não consegue mais produzir o pão. A comunidade ressente-se e se une para trazer a mulher de volta.

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Na obra Dicionário de Cinema, o autor Jean Tulard diz que Marcel Pagnol teve tudo – pois é ele o diretor de La Femme du Boulanger. Na literatura e no cinema, Pagnol foi um autor completo: teve a glória, dinheiro e fama. Ele nasceu com o cinema, em 1895, e morreu em 1974. Desde cedo atraído pelas imagens em movimento, criou a revista Cahiers du Film, em que atacava o cinema mudo. Nada sai da câmera, disse numa entrevista aos Cahiers du Cinéma. O que é preciso é um diretor que saiba escolher e orientar os atores. Orson Welles o amava por isso.

Pagnol irrompe na tela com o advento do sonoro. Seu cinema se beneficia do regionalismo, das paisagens da Provence e, principalmente, do sotaque meridional. Fala-se muito em seus filmes, mas ele consegue evitar o verborrágico. O mérito tem de ser compartilhado com os atores Raimu (pseudônimo de Jules Auguste Muraire), Pierre Charpin e Fernandel (Fernand Joseph Désiré Contandin). Privado de seus atores míticos (Raimu morreu nos anos 1940, aureolado como o maior e mais popular ator francês de seu tempo), o cinema de Pagnol começa a decepcionar.

Mas ele nunca saiu de cena. Em 1990, Yves Robert realiza um díptico – A Glória de Meu Pai e O Castelo de Minha Mãe. Pouco antes, em meados dos anos 1980, o diretor Claude Berri adaptou Jean de Florette e A Vingança de Manon. Para sua estreia na direção, Daniel Auteuil escolheu A Filha do Pai – agora, ele adapta a trilogia marselhesa do autor : Marius e Fanny já estão em pleno processo.

História

A trama do filme de Pagnol, que depois virou peça, se passa num vilarejo no sul da França que não tem muita sorte com seus padeiros. O anterior se enforcou quando Aimable chega para substituí-lo. Aimable não tem esse nome por acaso: é o mais amável dos homens, e talvez seja por isso que sua mulher o abandona para ficar com o pastor fogoso. Ela se chama Aurélie e é interpretada por Ginette Leclerc.

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Essa ausência de sofisticação se manifesta em diálogos e algumas situações, a tal ponto que Pagnol, como o próprio Jean Renoir dos anos 1930 – de obras como La Chienne e Toni –, é considerado precursor do movimento neorrealista, que só surgiu no cinema italiano na década seguinte.

É interessante que todos esses diretores tenham tido atores fetiches. O de Renoir, foi Michel Simon. O de Pagnol, Raimu. Ator de teatro, Raimu protagonizou, ou coprotagonizou a maioria dos grandes filmes do diretor. Seu registro tragicômico o leva a limites de intensidade cômica e dramática na mesma cena, e era isso que fascinava Orson Welles.

Consagrado no rádio e no teatro, Orson Welles chegou a Hollywood para provar – se é que ainda era necessário – que o cinema era uma arte autônoma. Mas, Pagnol não acreditava nessa autonomia.

O importante é que essa história simples não era ingênua. Na França dos anos 1930, um pouco por influência da Espanha, que vivera sua Guerra Civil, a Frente Popular coloca o socialista Léon Blum no poder e ele, mesmo se distanciando dos republicanos espanhóis, promove importantes mudanças sociais. Blum e o Front Populaire permanecem no poder até 1938, que, não por acaso, é o ano de A Mulher do Padeiro. O movimento popular, mesmo apartidário – pelo pão de cada dia – não deixa de ter uma dimensão política. Dois anos mais tarde, lançado nos EUA, La Femme du Boulanger foi o melhor filme estrangeiro para o The New York Times e o National Board of Review.