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Leonardo Medeiros e Simone Spoladores habitam o cenário criado por Daniela Thomas | Carol Sachs/Divulgação
Leonardo Medeiros e Simone Spoladores habitam o cenário criado por Daniela Thomas| Foto: Carol Sachs/Divulgação

Uma sessão extra não foi o suficiente. As escadas do Teatro HSBC se forraram de espectadores, e muitos outros não conseguiram ingressos para ver Não sobre o Amor. Curitiba precisa corrigir essa falta. Nada justifica dois anos de atraso para o espetáculo de uma companhia como a Sutil, que ensaia aqui e tem seu público fiel. Mais injustificável se torna a situação diante de um trabalho com tamanha sofisticação na criação de imagens e tradução de sentimentos.

Do muito que já se disse a respeito de Não sobre o Amor, ecoam duas afirmativas da imprensa paulista. A primeira é de que teria reinventado os conceitos do teatro. Talvez "reinventar" não seja o termo mais adequado. Os recursos de que se utiliza não são absolutamente inéditos, mas fato é a raridade de vê-los reunidos harmoniosamente e no máximo de suas potencialidades para compor um todo muito poderoso: a plasticidade, o vídeo, o texto, a presença humana dos atores.

As projeções de imagem não são um fetiche. O close no rosto de Simone Spoladore projetado em grande escala contra a parede evoca a presença etérea daquela mulher na memória e na consciência do homem que a ama, mas dela está separado. A cenografia de Daniela Thomas é um deleite visual. Concreta e sólida. Deslocada dos eixos, sensibiliza para um desajuste de um exilado que sentencia: "um estrangeiro é aquele cujo amor está em outro lugar". O virtuosismo técnico é tal como em montagens anteriores dirigidas por Felipe Hirsch, como Avenida Dropsie. A não ser porque lhe foi acrescentado o que faltava: chamem alma, sentimento ou a palavra menos erodida pela ironia que conhecerem.

Outra coisa dita muito lucidamente, pela crítica Mariângela Alves de Lima do Estado de S. Paulo, foi de que a matéria prima literária do espetáculo – as cartas trocadas (outras apenas imaginadas) entre o escritor russo Victor Shklovsky e a romancista franco-russa Elsa Triolet – é ideal para a provocação que a companhia faz à "expectativa de gratificação sentimental do público". A montagem dirigida por Felipe Hirsch não entrega um arrebatamento amoroso comum, nem de leve toca no melodrama, o não-dito é essencial enquanto as atuações são contidas, o que pode surpreender sobretudo no personagem de Leonardo Medeiros, uma vez que seu amor e suas palavras ultrapassam a sensatez e por escrito ele encharque a amada com o "quanto, quanto, quanto" a ama.

Há de se lembrar que nenhuma emoção é mais forte do que a represada. O exílio os separa. A recusa dela os separa. Mas o sentimento dele não recua diante da barreira sólida que se impôs. Se ela o proíbe de falar do amor e ele, como literato, sabe que "as palavras boas estão pálidas de exaustão", escrever-lhe seria inócuo, não?

Empreste-se de Vida, o espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, a réplica: escrever é uma forma de existir. Suprimir a palavra amor de um discurso tão pessoal de um apaixonado é descobrir em outras palavras significados latentes para que o digam por si e delinem seu contorno no vazio. "Ansiar é a palavra mais fácil de entender", diz Medeiros. Fala de nada além do amor.

A obra sem dúvida se constrói de um acumulado de referências literárias, e uma maneira de apreendê-la é puxar esses fios que levam a Cervantes, Andersen, ao formalismo russo de Shklovsky. Assim como em Cinema, poderia se gastar neurônios no reconhecimento dos filmes reproduzidos em áudio e, em vez de encarar de frente e diretamente a plateia de atores, olhá-la do alto da erudição. O risco nessa estratégia de leitura é não enxergar a nova teia que com eles se coseu, de profundidade e delicadeza. GGGGG

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