O bailarino Jair Morais dedica-se voluntariamente à formação acelerada para rapazes| Foto: Antonio Costa / Gazeta do Povo

Festival de Curitiba: Balé masculino no Fringe

A Companhia de Dança Masculina Jair Morais participa do Fringe, mostra paralela do Festival de Curitiba. No próximo dia 10, às 21 horas, o elenco formado por bailarinos homens da companhia apresenta o espetáculo Tubo de Ensaio (confira o serviço completo), no Teatro José Maria Santos (R. Treze de Maio, 655).

Formado por trabalhos criados por diversos coreógrafos brasileiros, a montagem mistura linguagens e movimentos que vão do clássico ao contemporâneo. "Mesclei textos de Clarice Lispector, Fernando Pessoa, entre outros, para que os bailarinos mostrem que, além de dançar, também podem encenar", conta o diretor.

Os ingressos custam R$ 20 e R$ 10.

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Escola Bolshoi: 103 meninos para 179 meninas
O ensino da dança precisa oferecer ao bailarino o conhecimento em áreas afins, da iluminação à coreografia, para que ele se torne um artista completo
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A culpa, nesse caso, é muitas vezes dos pais. A escassez de homens em escolas de balé clássico no país, em pleno século 21, ainda tem raízes no preconceito em relação a uma atividade considerada "coisa de mulherzinha". Enquanto em outros países, as escolas mantêm turmas só de rapazes, no Brasil, pode-se contar nos dedos de uma mão, – e olhe lá! – , o número de garotos em uma sala de aula. "Aí, logicamente, a atenção não será para ele, e o aluno se desestimula e desiste", diz Jair Morais, professor do Balé Teatro Guaíra e criador da independente Companhia de Dança Masculina Jair Morais.

Com mais de 300 alunos, a Escola de Dança Teatro Guaíra (EDTG) tem apenas um ou dois meninos em cada turma. "Temos mais rapazes, pois as crianças não têm muito apoio dos pais para trazê-los. Quando chegam a uma certa idade, conseguem vir por conta própria. É uma questão cultural do Brasil. Em outros países, dançar é natural para os homens. Então, isso gera até mesmo uma diferença de mercado: os rapazes são sempre mais disputados nas companhias brasileiras", explica Sylvia Andrzejewski Massuchin, coordenadora da EDTG.

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Na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, no entanto, essa configuração parece mudar. De um total de 282 alunos, 103 são garotos. "Com a elevação do nível cultural da população, os tabus e os preconceitos estão sendo postos por terra e verificamos uma maior procura do estudo de dança por parte dos meninos. Aqui na escola, encontramos um contingente de meninos considerável. Vejo muito positivamente essa estatística, pois a dança carece tanto da graça e leveza feminina, como do vigor e da virilidade masculina", diz o professor de dança clássica Cesar Lima.

Nas academias de dança, a presença masculina ainda é problemática nas aulas de dança clássica. No Studio D1, de vez em quando surgem alguns meninos interessados em dançar balé. "Os meninos não se criam. Eles começam, mas frequentemente são obrigados a abandonar o curso por pressão do pai machista", conta a proprietária da academia, Dora de Paula Soares. Muitos alunos, seja de academias ou de escolas de dança, são jovens homossexuais que veem na dança a oportunidade de se libertar da repressão familiar. "É uma visão errada porque a dança não tem nada a ver com isso. Aí, tenho que explicar que eles podem ter a vida que quiserem, mas, em cena, quero que tenham uma postura masculina", diz Morais.

Ele é uma espécie de "paizão" dos quase 30 homens que participam de sua companhia, criada há oito anos para revelar talentos que, sem oportunidade, nunca despontariam. São homens de 16 a 29 anos, das mais diversas constituições físicas, que todas as noites trocam a roupa do trabalho pela malha de dança. Muitos só puderam realizar o sonho de dançar quando se libertaram do jugo do pai repressor. São histórias que se assemelham à do próprio Jair Morais.

Filho único de uma família carioca de baixa renda, de homens militares, esperava-se que ele seguisse pelo mesmo caminho. "Aos 10 anos, descobri que dançar era o que eu queria, mas meu pai nunca iria deixar. Então, fui fazer teatro", conta. Só quando o pai morreu, Morais pôde dançar a sério. Por isso, ele compreende bem as dificuldades dos rapazes que batem à sua porta à procura de uma oportunidade de mostrar seus talentos.

Por começarem a dançar mais tarde do que a média das meninas, os meninos precisam receber um treinamento acelerado. "Trabalho com corpos bem diferentes e tenho que burilá-los, pô-los em cena para dançar. Eles dançam em espetáculos, têm um aproveitamento em cena melhor do que em sala de aula, porque em sala estou acelerando seu aprendizado na base da ‘paulada’. A mulher vem mais dotada, começa aos 3, 4 anos fazendo borboletinha [movimento básico do balé, feito com as pernas]", conta.

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A diferença no ensino de meninos e meninas precisa ser assinalada, na opinião de Cesar Lima. "Existem movimentos específicos [para cada sexo], dentro da dança clássica. Claro que há movimentos comuns, mas muitos não são. Aqui na Escola do Teatro Bolshoi, meninos são ensinados por professores homens, e as meninas, por professoras. Dessa forma, cada um transmite suas experiências aos alunos", conta.

Nem só de técnica são feitos os encontros com Jair Morais. O "paizão" conhece bem a realidade dura de seus alunos e, por isso, conversa muito sobre sexo, drogas e relações familiares. "Não vou formar o primeiro bailarino de uma companhia. Quero, acima de tudo, criar cidadãos, ensinar o métier da dança para que a pessoa possa sobreviver com isso, dar aula, criar coreografias. Mas é complicado, porque a família espera que os filhos ganhem muito dinheiro, e culturalmente nosso país é pobre. Se o artista não está na TV Globo, não é visto e não tem bom salário", diz.